Título: Passaremos bem por essa crise?
Autor: Santo, Alexandre Espirito
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2007, Opinião, p. A12

Nos últimos dias, os mercados financeiros do mundo inteiro vêm experimentando uma forte correção de preços e aumento de volatilidade, ensejando que, após um longo período de bonança, uma crise de grandes proporções pode estar se materializando. Nossa proposta com esse artigo é discutir as causas dessa possível mudança de cenário econômico global e as consequências sobre a nossa economia.

Nos EUA, o setor imobiliário está passando por sérias dificuldades, que vão desde o excesso de oferta de imóveis, que empurram os preços para baixo, até a elevada inadimplência, consequência das hipotecas de alto risco. Porém, as vigas e drywalls das residências não podem esconder uma grande responsável pela situação atual: a taxa de juros americana. Por quê? Apesar do FED não ter alterado as taxas dos fed funds no último ano, as taxas de longo prazo, que servem de parâmetro para os financiamentos de hipotecas, elevaram-se consideravelmente, para mais de 5% ao ano. Isso decorreu do forte crescimento econômico, que fez com que investidores, para se protegerem de uma possível subida dos juros (para frear o crescimento excessivo e a inflação), passassem a demandar taxas maiores para prazos mais longos. Para agravar o quadro, o comprador de um imóvel nos EUA pode fazer uso de taxas pré ou pós-fixadas. Muitos escolheram o último tipo. Como suas prestações estão sendo reajustadas para cima, alguns mutuários interromperam o pagamento das dívidas, pois suas fontes de renda estão estáveis ou até caindo. Está fechado o círculo vicioso: inadimplência crescente, empresas em bancarrota.

A falência das empresas de construção tende a afetar a economia real. Quando um banco empresta recursos para o construtor, faz uma securitização do empréstimo emitindo títulos, que, quase sempre, são lastreados nos recebíveis dessas empresas. No mercado de títulos, devido às operações com derivativos, hedge funds e institucionais adquirem esses papéis, disseminando posições arriscadas. Quando uma empresa "quebra", seus títulos perdem o valor integral (viram pó) e os fundos que os detêm se vêem em maus lençóis. O resultado é que muitos irão "quebrar" ou limitar resgates, como ocorreu semana passada. Tudo piora quando essa cadeia de eventos chega ao interbancário e a liquidez empoça. Os bancos centrais precisam prestar socorro. Com o ajuste das PDDs dos bancos a crise se alastra.

Infelizmente, o infortúnio não acaba aqui! Adicionalmente, temos o efeito contágio sobre outros ativos e o efeito riqueza sobre o consumo das famílias.

Para explicar o primeiro, fazemos alusão aos estudos do prêmio Nobel de economia, John Nash, que mostram que os investidores, agindo racionalmente, tomam suas decisões baseados nas decisões que os demais investidores irão tomar. Boa parte da racionalidade é formada olhando-se para o retrovisor, quando situações semelhantes ocorreram. A história conta que essas crises possuem causas e efeitos bastante parecidos. Costumam marcar o ápice de um boom econômico ou o início de uma recessão, nesse caso contaminando todas as classes de ativos. Esse contágio se dá de duas formas: pelos controles de risco das instituições financeiras, que obrigam seus traders a diminuírem posições alavancadas, bem como pelo efeito da venda de ativos com expectativa de recompra a um preço mais baixo. Já o efeito riqueza ocorre quando a renda da família se reduz por perdas patrimoniais (nos imóveis, ações etc), implicando em menor consumo presente. A ligação com a situação atual é clara e o consumo da sociedade americana tenderá a cair. A conclusão é que o crescimento econômico será afetado nos EUA. O ponto é saber se vamos estar diante de uma recessão ou de um crescimento menor do que o observado nos últimos trimestres.

-------------------------------------------------------------------------------- Resta saber se vamos estar diante de uma recessão ou de um crescimento menor do que o observado nos últimos trimestres --------------------------------------------------------------------------------

Essa segunda hipótese nos parece que seja a aposta do FED. Inclusive para começar o processo de redução das taxas de juros, que desanuviaria a crise. O banco central americano vem sugerindo que a queda da inflação está condicionada a um arrefecimento da expansão econômica, bem como ao enfraquecimento do mercado de trabalho. Nossa percepção é de que o FED quer ver esse cenário cristalizado antes de iniciar a trajetória de queda dos juros. Se o quadro assim se desenhar, o crescimento nos EUA será afetado negativamente, para algo em torno de 2% em 2008, mas o dinheiro voltaria a ficar barato e as condições de crédito mais amigáveis. No caso menos provável de uma recessão, imposta por um credit crunch, a economia mundial iria sentir um enorme baque, com consequências inimagináveis.

A segunda parte da análise discute o desempenho da economia brasileira, em ambas as hipóteses.

Primeiramente, o país deverá crescer esse ano entre 4,5% e 5%. No caso do cenário benigno prevalecer, poderemos crescer a uma velocidade maior num futuro não distante. Os juros continuarão em sua trajetória de queda (mais suave), já que a inflação está perfeitamente ancorada. A despeito do real valorizado, nossas contas externas permanecerão confortáveis, uma vez que as commodities que vendemos lá fora deverão manter preços atrativos, mesmo que um pouco menores. Mas a grande e fundamental mudança por qual nossa economia passará, até no cenário mais adverso, será receber o título de investment grade, no 1º semestre de 2008. Praticamente já acumulamos reservas internacionais equivalentes à dívida externa (pública e privada), e a relação dívida/PIB entrou no elevador com a seta para baixo. Como as agências de rating justificariam não nos conceder tal qualificação? Basta que os pilares macroeconômicos atuais permaneçam intactos, o que nos parece muito provável.

As consequências do grau de investimento serão muito positivas. O custo de captação das empresas irá diminuir. Com isso, a taxa de corte de novos investimentos reduzir-se-á, estimulando o crescimento das mesmas. Ademais, quando descontarmos os fluxos de caixa futuros para determinar o valor justo das ações, o upside nos valuations será compensador ao risco. Portanto, as bolsas ainda serão atrativas, a longo prazo. Muitos fundos estrangeiros, impossibilitados de operar ativos que não sejam investment grade, comprarão títulos brasileiros, pavimentando o terreno para suas valorizações.

Concluindo, apesar das condições globais serem potencialmente menos amistosas daqui para frente, a economia brasileira continuará sólida e nossos mercados deverão "out performar". Se o governo colaborar então.

Alexandre Espirito Santo é economista, MBA em Finanças e mestrando em Economia Empresarial. Sócio da AVANTI Gestão de Recursos e Chefe do Departamento de Economia e Finanças da ESPM-RJ.