Título: Bancas de advocacia vão à bolsa de valores
Autor: Pesoti Netto, Leandro
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Uma notícia oriunda da Austrália e pouco difundida no Brasil certamente ocupará, em breve, um maior destaque na esfera jurídica e no mercado de capitais. A referida ilha foi o primeiro país a lançar em sua Bolsa de Valores ações de uma banca de advocacia - a Slater & Gordon. O predito pioneirismo logo será seguido por países outros do velho continente. Dentre eles, destacamos o avançado estágio de discussão verificado na Inglaterra e na Espanha. Embora aparentemente distante do contexto brasileiro, este fato faz com que repensemos a realidade da advocacia no país e, sobretudo, sua capacidade de sobreviver às mudanças estruturais de um mercado global, que começa a alterar as tradicionais estruturas dos escritórios desta profissão não raramente dita conservadora.

No Brasil os trabalhos de uma sociedade de advogados não são vistos como uma atividade empresarial, sendo legalmente impossível que bancas de advocacia transformem-se em sociedades anônimas de capital aberto. Tal fato, por si só, seria impeditivo à abertura de capital deste segmento do universo jurídico.

Entretanto, nos afastemos dos livros e teorias para nos aproximarmos da prática observada no cotidiano da maior parte das sociedades deste acirrado setor. E veremos que elas atuam como qualquer prestadora de serviços. Existem metas. O antigo advogado familiar dá lugar a profissionais em constante rotação, voltados para especialidades distintas. É comum o auxílio de outras expertises tendentes à otimização de resultados. Desta feita, vemos economistas, contadores, bibliotecários, administradores e tantos outros segmentos atuando em busca de pareceres mais precisos, de peças mais técnicas, due dilligences melhor elaboradas, dentre outras finalidades que, em uma análise superficial, não se relacionam diretamente com os serviços tipicamente prestados por um profissional liberal da esfera jurídica.

Assim como o mercado nacional passa por um indiscutível momento de fusões e aquisições, os escritórios de advocacia tenderão a seguir a mesma trilha, valendo-se da concentração das bancas, cientes de que os critérios de qualidade, especialidade e preço serão fatores mais e mais determinantes para as empresas na busca por serviços jurídicos e por redução de riscos. Este novo contexto apenas evidencia a flagrante despersonalização da prestação de serviços. Mais do que um paradigma mercadológico recente, a aludida desinvididualização foi vivenciada e sedimentada por outros setores da economia ao longo da revolução industrial.

-------------------------------------------------------------------------------- No Brasil, os trabalhos de uma sociedade de advogados não são vistos como uma atividade empresarial --------------------------------------------------------------------------------

Soma-se a este argumento de despersonalização a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na relação existente entre os clientes e as grandes sociedades de advogados, fato que apenas ratifica a relativização, por algumas de nossas legislações mais avançadas, das antigas idéias caracterizadoras dos típicos profissionais liberais, que conferiam a eles responsabilidades limitadas quando verificados danos suportados pelos clientes em decorrência dos serviços prestados.

Mesmo que distante da atual estrutura jurídica brasileira, esta tendência implantada na Austrália e debatida em outros países logo trará efeitos, ainda que inicialmente indiretos, aos escritórios de advocacia nacionais. E isto pelo fato de que as novas bancas de advocacia com capital aberto estarão capitalizadas, o que viabilizará a ampliação de suas atividades. Aptas para uma eventual formação de novas bancas ao redor do globo, elas estarão melhor capacitadas para a prestação de serviços jurídicos para as empresas multinacionais. Seguindo esta lógica, não tardará para que procurem parcerias com bancas de países emergentes - e dentre elas os escritórios de advocacia do Brasil.

Se por um lado existe o evidente risco de uma drástica redução do número de bancas médias nos países que aderirem à abertura de capital para os escritórios de advocacia, certo é que existem benefícios decorrentes desta nova realidade, como a capitalização dos escritórios por mecanismos menos onerosos do que os do sistema financeiro.

Mais relevante do que o próprio debate sobre as virtudes e os malefícios deste novo cenário mundial - ainda insipiente no Brasil -, o fundamental é trabalhar rumo à modernização das legislações tendentes aos serviços de advocacia, em uma irreversível trajetória de profissionalização. Se a cultura jurídica pátria abraçará a abertura de capitais ou não, ainda é cedo para qualquer afirmação taxativa, competindo às necessidades do mercado ditar qual será a resposta final. Cumpre, todavia, lembrar que a letargia do país na adoção de práticas que serão eventualmente adotadas por nações responsáveis por uma significativa parcela do comércio mundial trará conseqüências não apenas para a seara advocatícia, mas também para o mercado nacional. Afinal, o segundo, dada a complexidade dos negócios internacionais, demonstra-se mais e mais dependente da eficiência e qualidade dos serviços prestados pela primeira.

Leandro Pesoti Netto é advogado do escritório Kanamaru e Crescenti Advogados e especialista em direito internacional privado pela Université Panthéon Assas, Paris II

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