Título: No Sul, velhos e novos aeroportos estão abandonados
Autor: Jurgenfeld, Vanessa e Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2007, Brasil, p. A4

Em recente reunião da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), o presidente da entidade, Alcântaro Corrêa, colocou no telão a imagem da pista do aeroporto da cidade de Jaguaruna, no sul do Estado. Recém-construída, tem 2,5 mil metros de comprimento é a maior do Estado, mas não está em operação, embora tenha sido inaugurada em 2006. O aeroporto não ficou totalmente pronto, não tem terminal de passageiros, e tampouco instrumentos para operar com vôos noturnos.

Pista não utilizada é uma realidade nos Estados do Sul, região com fortes pólos econômicos (da indústria e do agronegócio) distantes das respectivas capitais. Na região, o fim da Rio-Sul extinguiu várias linhas regulares entre as capitais e os pólos regionais.

No Rio Grande do Sul, o número de cidades gaúchas servidas por transporte aéreo regional subiu de nove em 1993 para 14 em 2003, e depois caiu drasticamente com o fim das operações da Rio-Sul. Nos últimos 12 meses, com a chegada ao mercado da NHT Linhas Aéreas, nove cidades do interior voltaram a ter vôos regulares. Segundo dados da Santa Catarina Turismo (Santur), há 21 aeroportos no Estado, e só quatro estão com vôos comerciais regulares: Florianópolis, Joinville, Navegantes e Chapecó.

De acordo com o prefeito de Jaguaruna, Marcos Tibúrcio (PP), faltaram R$ 20 milhões para finalizar a construção. do aeroporto da cidade e deixá-lo em condições de operar. A região sul do Estado, onde fica Jaguaruna, é a mais precária porque além de não ter aeroporto com atividade regular ainda conta com uma rodovia em condições precárias, a BR-101 trecho sul, uma infra-estrutura complicada para uma região reconhecida por sua importância econômica, em especial nos setores de cerâmica e produção de plásticos.

O aeroporto de Jaguaruna recebeu até agora R$ 22 milhões, 70% do governo federal e 30% do governo estadual. Além da construção da pista, a área foi desapropriada e cercada. Segundo o prefeito, a desapropriação não é mais o problema do aeroporto, embora 30% ainda não tenham recebido a indenização. "Falta vontade política para enxergar que aeroporto é ferramenta, não luxo", acredita Corrêa.

A maior parte dos aeroportos regionais existentes em Santa Catarina está ociosa. Tratam-se de estruturas construídas ainda no regime militar, em momento em que o acesso a outras regiões do Estado não existia pelas rodovias. Nem todos os aeroportos pertencem ao governo federal, em alguns a administração é feita pelo município, que também não realizou investimentos para revitalização.

Na própria Blumenau, cidade em que mora o presidente da Fiesc e famosa pela importância do seu pólo têxtil, existe também um aeroporto, o Quero-Quero, com pista de 1.080 metros, mas que quase não é usada. Mantido pelo município, está sem operação regular desde 2003. Embora receba taxi-aéreo e seja rota de artistas e empresários que visitam ou moram na região, o Quero-Quero, inaugurado há 60 anos, já chegou a receber quatro vôos de médio porte comercial por dia. Hoje, a despesa mensal é de R$ 14 mil e a receita depende da demanda esporádica.

"Demanda de passageiro tem, o que não tem é preço e qualidade no serviço", disse Oswaldo Pedro de Souza, administrador do aeroporto, que relembrou outros ensaios de empresas que tentaram operar mais recentemente no Quero-Quero e desistiram das operações em três meses. Segundo ele, os vôos eram com preços significativamente mais altos do que os oferecidos pelas rotas comerciais que partem de Navegantes, a 1 hora de distância de Blumenau.

Em Lages, o aeroporto local, com pista de 1,5 mil metros, a situação não é muito diferente. O aeroporto Correia Pinto chegou a ser usado por Varig e Transbrasil nos anos 60, atendendo principalmente empresários de agroindústrias como a Sadia, localizada em Concórdia. Hoje, recebe 50 vôos particulares por mês, ante 14 vôos diários nos anos 60, segundo o administrador Domingos Baldissera.

O abandono há anos dos aeroportos regionais leva a situações inusitadas em Santa Catarina. Quem mora em Caçador, por exemplo, no meio oeste catarinense - cidade que possui um aeroporto com pista de 1,8 mil metros, mas também não recebe vôos comerciais de médio porte desde 2005 - precisa se deslocar por via rodoviária por cerca de 200 quilômetros até Chapecó ou 300 quilômetros até Curitiba, no Paraná, para embarcar em um avião.

Levantamento feito pelo engenheiro Fernando Bizarro, de Departamento Aeroportuário do Estado (DAE), vinculado à Secretaria dos Transportes do Rio Grande do Sul - mostra que a viação regional gaúcha quase acabou em 2004, depois de crescer nos dez anos anteriores. "Naquele ano, além das linhas Santo Ângelo/Passo Fundo/São Paulo, operada pela OceanAir, e Porto Alegre/Caxias do Sul/São Paulo, operada em regime de compartilhamento pela Varig e TAM, nada restava de aviação regional no Rio Grande do Sul", relata o engenheiro. O próprio vôo da Varig/TAM, realizado com um jato EMB 145, com 50 lugares, lembra Bizarro, era resultado da fusão de outros dois, que somavam capacidade de quase 240 passageiros.

A demanda reprimida, principalmente em Caxias do Sul, entretanto, atraiu operações da Gol e da OceanAir para a cidade em 2005. Segundo Bizarro, em 2006 o aeroporto local recebeu 130,7 mil passageiros, ante 12 mil em 1993. Em 2005 e 2006, a OceanAir também voava para Santo Ângelo, cidade que recebeu 13,9 mil passageiros no ano passado. Em Passo Fundo, o movimento em 2006 foi de 32,7 mil pessoas, sete vezes a mais do que em 1993, conforme o DAE.

O Paraná também coleciona histórias de abandono. Dos 40 aeroportos públicos, apenas seis possuem linhas regulares. Um dos que já funcionaram e hoje está parado é o aeroporto municipal de Toledo, no Oeste do Paraná, que tem uma pista com 1.670 metros de extensão e já teve no passado dois vôos diários da empresa aérea Rio-Sul, um que saía de São Paulo e outro de Curitiba. A companhia usava no trecho um avião modelo Brasília, turboélice que comporta cerca de 30 passageiros. Mas nos últimos cinco anos o local só recebe aeronaves particulares e serve para treinamento de alunos da uma escola de formação de pilotos.

"Esses vôos regulares saíam lotados daqui", disse o secretário municipal de Indústria, Comércio e Turismo, Narcizo Müller. Ele é pai de Nicole Müller, ginasta que conquistou três medalhas de ouro nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro e hoje treina em Vitória (ES). Quando ela visita a família, usa o aeroporto de Foz do Iguaçu, distante 160 quilômetros, ou o de Cascavel, que fica a 50 quilômetros da cidade, mas oferece menor número de vôos. "Temos condições para manter uma linha de médio porte, para cerca de 50 passageiros por dia", afirma o secretário.

O prefeito de Toledo, José Carlos Schiavinato, foi a São Paulo no mês passado para tentar trazer outra linha regular para a cidade. Ele levou materiais de apresentação do município à direção de relações comerciais da BRA.

Como argumento, o prefeito usou a liderança na produção de suínos no Estado. "Somente a Sadia, de Toledo, que sedia no município o maior complexo frigorífico de aves e suínos da América Latina, com 8 mil empregos diretos, abate 6.350 suínos por dia e 365 mil aves", diz o texto.

A gaúcha NHT Linhas Aéreas, criada em agosto de 2006 pelo grupo gaúcho JMT, ocupou parte do espaço deixado na aviação regional pela extinta Rio-Sul. No Rio Grande do Sul ela já atende dez cidades, além de três municípios em Santa Catarina e Curitiba no Paraná. A empresa estuda abrir novas rotas no interior de Santa Catarina e no Paraná, neste caso ligando Curitiba à cidade de Pato Branco, informa o presidente do JMT, Pedro Antônio Teixeira.