Título: Governo quer permissão para demitir
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2007, Política, p. A5

O governo fez ontem, em bloco e de maneira enfática, uma defesa de novas regras que permitam ao presidente da República propor ao Senado a demissão de diretores das agências reguladoras. Pela proposta do governo, a iniciativa de destituir os dirigentes, em caso de "incompetência" ou "má gestão", deve ser exclusiva do Poder Executivo - o Senado apenas daria ou não seu aval.

Trata-se do mesmo modelo de nomeação dos diretores. Indicados pelo Executivo, eles devem ser aprovados pelo Senado. A idéia é adotar o mesmo sistema para ter o poder de tirá-los dos cargos. "Os mandatos podem e devem ser estáveis, mas não são intocáveis", enfatizou o ministro das Comunicações, Hélio Costa.

Em meio à crise aérea e à perspectiva de votação da lei geral das agências, na próxima semana, Costa e outros representantes de peso foram ao plenário da Câmara para defender mudanças nas regras dos órgãos reguladores. Sempre ponderaram que o afastamento deve ser visto como exceção e conseqüência de uma "situação especial", mas transmitiram o recado do Palácio do Planalto. "Aquele que nomeia também deve ter a competência de demitir", reforçou o major-brigadeiro Jorge Godinho, assessor especial do Ministério da Defesa.

Duas idéias ventiladas por parlamentares não ganharam apoio do governo. A primeira é de um "recall" dos diretores de agências, com sabatinas durante o período de vigência dos mandatos - uma espécie de reconfirmação no cargo. "É uma solução problemática", disse Luiz Alberto Santos, subchefe da Casa Civil. A segunda refere-se à hipótese de o Congresso tomar a iniciativa de propor a destituição de diretores, com a saída condicionada à aprovação de decreto legislativo pelas duas Casas, sendo o presidente da República obrigado a acatá-lo.

Para o subchefe da Casa Civil, que citou uma decisão de 1999 do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a agência reguladora do Rio Grande do Sul, essa hipótese pode esbarrar em aspectos constitucionais. Segundo ele, a iniciativa deve ser necessariamente do Executivo. Santos afirmou que a legislação americana permite a demissão de diretores por insuficiência de desempenho e mencionou o modelo brasileiro que deve ser usado como referência no debate. "No Cade, isso já existe", comparou ele, lembrando que o presidente pode sugerir ao Senado a destituição de conselheiros da autarquia.

O setor privado condenou as propostas do governo. José Fernandes Pauletti, presidente da Abrafix, associação das operadoras de telefonia fixa, observou que "é muito difícil" julgar quando um diretor de agência foi ou não incompetente. Para ele, a simples existência de um novo mecanismo de demissão leva ao risco de captura dos dirigentes pelo governo. "Pode comprometer a autonomia decisória", disse.

Para o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, dar ao governo a capacidade de demitir por "incompetência" não ataca a raiz do problema e transforma as agências em "meros departamentos do governante do momento". Sales defende o aprimoramento da escolha dos diretores, aceita a idéia de "recall" dos mandatos e quer aperfeiçoar as sabatinas no Senado. "Os senadores podem contar com a ajuda de especialistas de notório saber para ajudá-los nos questionamentos", propôs o executivo. "Essas sugestões atacam a causa do problema e não corrompem o princípio inquestionável de autonomia das agências.".

Especialistas como o presidente da Associação Brasileira das Agências de Regulação (Abar), Álvaro Machado, avaliaram que o governo tenta aproveitar a desconfiança em torno da Anac para debilitar os demais órgãos. "Isso é um equívoco. O governo tem dado maior transparência ao funcionamento das agências", rebateu Luiz Alberto Santos, da Casa Civil. Ele contestou ainda as afirmações de que o governo Lula estrangulou financeiramente os órgãos reguladores. De 2003 a 2006, os recursos empenhados das agências aumentaram 43%¨, segundo Santos. "Não podemos dizer, portanto, que tenha havido constrangimento orçamentário das agências", argumentou.

Na avaliação do setor privado, um dos problemas em criar novas regras de afastamento dos diretores é caracterizar "incompetência" ou "má gestão". O próprio subchefe da Casa Civil reconheceu que esses conceitos não podem ser vagos e subjetivos. Uma hipótese, raciocinou, é medir os resultados do Plano Estratégico de Trabalho das agências. Esse mecanismo, que substitui os contratos de gestão na última versão do projeto de lei, traça metas e objetivos plurianuais para as agências, formulados por suas próprias diretorias.