Título: Congresso promove novo festival de cargos públicos
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Fonte: Valor Econômico, 16/08/2007, Opinião, p. A12
Uma série de absurdos pode levar centenas de milhares de funcionários a fazer parte da folha permanente de pagamentos da União, Estados e municípios. Patrocinadas por deputados tucanos e do Partido Socialista Brasileiro, as iniciativas a caminho de votação no Congresso - duas propostas de emenda constitucional - têm como fachada a correção de injustiças, mas, como sempre, escondem privilégios e mostram o desprezo habitual para com a coisa pública e o contribuinte.
A história começou com a incorporação de 60 mil servidores "temporários" que já haviam sido barrados pela Constituição de 1988, que, na época, eram provisórios há quase cinco anos. Depreende-se daí que a atual contratação é inconstitucional, mas sempre vale a pena tentar. Depois o tucano paraense Zenaldo Coutinho estendeu a idéia da contratação a todos os temporários de todos os níveis de governo. Coube a Gonzaga Patriota (PSB-PE) aproveitar a ocasião e incluir uma aberração - todo funcionário concursado para um cargo poderia ser efetivado em outro para o qual tivesse sido requisitado, após três anos. Estima-se em 20 mil o número de apaniguados. A soma de tudo isso fica entre 260 mil e 300 mil cargos, em um cálculo teórico, porque nem o Ministério do Planejamento nem ninguém sabe avaliar quem está em qual situação.
O governo petista vem aumentando a máquina pública com novas contratações, sem ter um plano de conjunto para estruturar as carreiras que não seja o dar aumentos salariais polpudos para a elite do funcionalismo. A questão dos "temporários" com 25 anos de serviço poderia ter sido equacionada tempestivamente, mas não o foi e a responsabilidade pode ser igualmente atribuída a todos os governos anteriores.
Por outro lado, não há justificativa para a absoluta inércia do governo diante dos projetos que estão no Congresso. Membros do Executivo fingem que foram pegos de surpresa e outros simplesmente lavam as mãos. Na verdade, tanto o presidente Lula quanto o Partido dos Trabalhadores não têm nada contra o inchamento do Estado, e ambos são aplaudidos pela CUT, que tem nos servidores públicos um de seus maiores esteios. Essas atitudes contrastam , de forma reveladora, com o rolo compressor que o governo prepara para aprovar a continuidade da CPMF, algo tão provisório quanto os servidores temporários, e que já dura mais de uma década. Faz sentido: tributos em cascata para financiar benesses idem.
O Estado continua sendo a teta preferida porque paga salários mais altos que a iniciativa privada para a maioria dos servidores. Isto pode ainda não ser verdadeiro para os altos cargos, embora a situação tenha melhorado muito com os reajustes reais de 15% a 80% dados pelo governo Lula de 2003 a 2006 ("Folha de S. Paulo", 13 de agosto). A média salarial de um servidor ativo do Banco Central é de R$ 10,9 mil, das estatais, R$ 6,3 mil e a do servidores civis, R$ 3,8 mil (quase 10 salários mínimos). Apenas 3,7% dos 514 mil funcionários da ativa do Executivo (2006) ganham até R$ 1 mil. Outros 38% ganham de R$ 1,5 mil a R$ 2,5 mil, e 40% ganham acima desse valor, isto é, estão no diminuto topo da pirâmide salarial brasileira.
A essa vantagem se juntam outras, vedadas à maioria dos brasileiros - a estabilidade e a aposentadoria com salário integral. Esse é um dos objetivos do trem da alegria da Câmara, como se o saco da Previdência não tivesse fundo. Como a União não regulamentou até agora os fundos de pensão dos servidores, as garantias de uma aposentadoria integral continuam líquidas e certas.
A bagunça administrativa dos servidores temporários que se perenizam não tem nada a ver com as espertezas da proposta que trata da efetivação em cargos distintos. Essa porta de ingresso a privilégios é aberta pelo apadrinhamento político e pelas máquinas partidárias. Os contemplados ganham o direito a alguns dos melhores salários que a administração pública paga, sem em geral ter qualificação para tanto. É uma moeda de ouro para o aliciamento político e para o assalto ao Estado nas mãos do Legislativo. Daí o risco de o projeto ser aprovado, se o Executivo não fizer nada para detê-lo. Se o governo não mostrar pulso firme, o trem da alegria poderá até entrar na conta da aprovação da CPMF, onde quem paga é o contribuinte.