Título: Miséria já poderia ter sido amenizada
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 12/01/2011, Politica, p. 4

Há R$ 3,7 milhões liberados para a construção de sete galpões destinados aos catadores de material reciclável do DF. Mas só agora projeto deve sair do papel

As famílias extremamente pobres que vivem nas proximidades do poder em Brasília e que dependem do lixo para sobreviver poderiam ter outro destino, longe dos acampamentos e das invasões. Há quatro anos, esses trabalhadores - e muitas crianças que estão fora da escola e distantes da própria família - poderiam recolher e separar o material reciclável retirado das ruas em galpões e centros de triagem construídos com dinheiro do governo federal. Numa conta da Caixa Econômica Federal (CEF) estão parados R$ 3,7 milhões repassados pelo Ministério das Cidades por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Esse dinheiro deveria ter sido utilizado para a construção de sete galpões para os catadores. O projeto é de 2007, ano em que os trabalhadores jaá poderiam estar atuando com mínimas condicções de infraestrutura e abrigo.

O Ministério das Cidades confirmou que o contrato com o Governo do Distrito Federal (GDF) já foi assinado e o dinheiro, liberado para a conta da CEF. Mas os galpões ainda não saíram do papel porque o GDF não disponibilizou as áreas para as obras. O impasse, que alimenta as condições de miséria das famílias instaladas nas proximidades dos centros de decisão política, caminha para uma solução. Segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) no Distrito Federal, a União forneceu, em dezembro de 2010, quatro áreas, de 170 mil m2, para a construção dos centros de triagem.

Serão beneficiadas as associações e cooperativas de catadores já formalizadas. São 34 no DF. Nas regiões mais miseráveis de Brasília, trabalham catadores sem qualquer organização, o que dificulta a assistência e a chegada de benefícios. Nem mesmo as associações já constituídas conseguem assistência integral. Somente no lixão da Estrutural atuam 2 mil catadores, segundo o MNCR. Fora das associações, as estimativas são de que 3,8 mil catadores trabalham no DF.

O Correio mapeou a miséria existente há décadas na vizinhança dos pontos por onde circula a presidente Dilma Rousseff, que prometeu erradicar a pobreza extrema nos quatro anos de seu mandato. As famílias identificadas pela reportagem em sete acampamentos e invasões sobrevivem com menos de R$130 mensais per capita. Estão em situação de pobreza extrema, conforme classificação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Dos sete espaços relatados na reportagem publicada no domingo, seis servem de moradia para os catadores de materiais recicláveis. Na invasão da Garagem do Senado, a mais precária entre os acampamentos existentes nas áreas nobres de Brasília, a única catadora que conseguiu uma casa e melhores condições de trabalho foi a presidente da associação dos catadores do local, Maria do Socorro Celestino de Souza. "Eu morei 15 anos aqui. Escrevi uma carta ao (então presidente) Lula falando das agressões sofridas na invasão", conta Maria do Socorro, que hoje mora na Vila Planalto, mas ainda trabalha na invasão.

Reféns dos atravessadores

A inexistência de galpões, para os quais já existe dinheiro liberado pela União, não é o único fator que contribui para a pobreza extrema de famílias de catadores instaladas próximas ao Congresso Nacional, ao Palácio da Alvorada, ao Palácio do Jaburu e ao Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB). Esses trabalhadores estão nas mãos de atravessadores, que conseguem ficar com até 25% do valor do papel, do plástico e do alumínio recolhidos nas ruas. Um incipiente programa de coleta seletiva do GDF exclui ainda mais os catadores.

Os benefícios criados no governo Lula passam longe das centenas de famílias que não se organizaram em associações e cooperativas. É o caso de praticamente todas as pessoas que moram em invasões e acampamentos nas áreas nobres de Brasília. A linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), criada em 2006, chegou a apenas duas cooperativas de catadores no DF. Existem apenas dois galpões para triagem dos resíduos - outros sete estão previstos desde 2007. Ao longo do ano passado, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) não repassou um único centavo para as cooperativas locais. A Funasa financia a construção e a ampliação de galpões e a aquisição de equipamentos e de veículos para o trabalho dos catadores.

O Comitê Interministerial de Inclusão Social dos Catadores, criado em 2003, divide os catadores em quatro grupos. O primeiro está organizado em associações e tem todos os equipamentos necessários ao trabalho. O segundo depende de equipamentos essenciais, como veículos para o transporte dos resíduos. Outro tem como necessidade principal um galpão e equipamentos básicos. O último não tem nada: os trabalhadores estão nas ruas, nos lixões, nas mãos de atravessadores e em condições extremamente precárias. É o caso das famílias de catadores que vivem nas proximidades do poder em Brasília. "Eles nunca foram incluídos. Até confiarem uns nos outros e formarem grupos, existe um caminho longo", afirma a secretária executiva do comitê interministerial, Jaira Maria Pupim. (VS)