Título: Paulson descarta recessão nos EUA
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Fonte: Valor Econômico, 16/08/2007, Finanças, p. C10

Em seu primeiro comentário público desde que a crise do mercado financeiro eclodiu, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, disse que a turbulência "vai tirar uma fatia da taxa de crescimento" da economia americana. Mas ele expressou confiança ao dizer que "a economia e os mercados estão fortes o suficiente para absorver as perdas" sem provocar recessão nos Estados Unidos.

A turbulência ocorre "diante de um cenário de economia mundial muito saudável, com fundamentos fortes", disse Paulson em entrevista ao Wall Street Journal em seu escritório.

Ao refletir sobre uma carreira de 32 anos em Wall Street, ele acrescentou: "Examinando os períodos de tensão que já vi, esta é a economia mundial mais forte que já tivemos". Alguns fundos ou divisões de firmas podem quebrar e é provável que o "ajuste" nos mercados financeiros continue, mas ele enfatiza que espera que a economia americana continue crescendo mesmo assim.

Autoridades econômicas falam cuidadosamente quando os mercados estão voláteis. Elas estão cientes de que se disserem algo que mine a confiança pública ou a do investidor podem exacerbar os problemas. Mas estão também cientes de que demonstrar complacência ou indiferença pode prejudicar sua credibilidade. Paulson procurou caminhar sobre essa linha tênue na entrevista de uma hora na terça-feira, falando devagar e escolhendo bem as palavras.

Ele disse que a recente "reavaliação ou reprecificação do risco", como identificou a relutância disseminada de se conceder empréstimos para os compradores de casas e as empresas com pior histórico de crédito e de se manter em carteira papéis lastreados por esses empréstimos, "não deveria surpreender ninguém". Ele não chegou a dizer que essa situação é bem-vinda, mas a qualificou de "inevitável".

"Quando você tem períodos de mercado benignos, particularmente em situações em que parte dos mercados e a economia estão crescendo em níveis que não são sustentáveis, os participantes do mercado não são tão vigilantes quanto deveriam", disse.

O atual vigor da economia mundial, afirmou, é a grande diferença entre esta crise e a anterior com que mais se assemelha - a de 1998, na qual a moratória e a desvalorização da Rússia, junto com a implosão do fundo de hedge Long Term Capital Management, abalaram os mercados. Embora a economia americana tenha desaquecido, o Fundo Monetário Internacional projetou recentemente que a economia mundial vai crescer a um ritmo de mais de 5% este ano e no próximo, depois de três anos de crescimento inusitadamente forte.

Outras grandes diferenças entre 1998 e 2007, disse Paulson, são a integração global de economias e mercados que ocorreu nos últimos dez anos e o grande aumento no número e tamanho de fundos de hedge e outros veículos de investimento não negociados em bolsa.

Ele disse que, além das medidas já tomadas para encorajar maior transparência entre os fundos de hedge e veículos similares, a capacidade do governo de George W. Bush de reagir de maneira construtiva é limitada. De maneira geral, a Casa Branca conta com o Federal Reserve, o banco central americano, e outros bancos centrais para combater o fogo financeiro jogando liquidez sobre mercados sedentos.

"Não há nada em meu julgamento que deveríamos estar fazendo em termos de garantir os participantes do mercado contra perdas ou em termos de restringir a tomada de risco", disse Paulson. "Uma das conseqüências naturais dos excessos é que algumas entidades deixem de existir."

Paulson hesitou em especificar áreas nas quais ele e autoridades do mercado vão se concentrar nos próximos meses, à medida que tirem lições das últimas semanas. "Claramente, precisa haver de fato um foco em hipotecas e em como o produto é originado e vendido", disse. Uma grande fonte dos problemas atuais foi a deterioração dos critérios usados na concessão de créditos imobiliários, particularmente no chamado mercado "subprime", de mais alto risco, e os efeitos-cascata quando os níveis de inadimplência daqueles empréstimos começaram a aumentar.

A persistência da crise imobiliária, o encolhimento do mercado de hipotecas "subprime" e os problemas no mercado para grandes créditos imobiliários suscitaram pedidos em Washington para que se ampliassem os poderes da Fannie Mae e da Freddie Mac, companhias hipotecárias patrocinadas pelo governo americano que fornecem liquidez com a compra de créditos imobiliários. A agência que regulamenta a Fannie e a Freddie, o Office of Federal Housing Enterprise Oversight, rejeitou recentemente, pelo menos por ora, o pedido delas de elevação nos limites de suas carteiras hipotecárias e de títulos lastreados por hipotecas, observando que o mercado para créditos imobiliários "prime" convencionais, de menos de US$ 417.000 por unidade financiada, que elas normalmente têm em carteira está funcionando razoavelmente bem.

Paulson reforça esse raciocínio. "Nossos problemas estão nas hipotecas de maior risco e nas hipotecas ´prime´ de alto valor, para as quais é necessária legislação" para que a Fannie e a Freddie participem, disse. O secretário do Tesouro não respondeu especificamente a uma pergunta sobre o papel das agências de classificação de crédito, criticadas por suas avaliações de alguns títulos lastreados por hipotecas, mas citou uma necessidade de "melhor entendimento" de instrumentos financeiros cada vez mais complexos.