Título: Avançando passo a passo
Autor: Fábio Santos
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2005, EU & FIM DE SEMANA, p. 10

É uma experiência extraordinária na história dos povos que, ao completar 25 anos de fundação do PT, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, seu líder maior desde o começo, tenha completado 25 meses de governo. Quando o PT se formou o Brasil ainda vivia em meio ao regime militar. Era um anseio forte captado pelos que o formaram a transformação da vida social e política do país, que precisava ser feita pelas próprias mãos dos trabalhadores e de todos aqueles que queriam se solidarizar com a causa da construção democrática de instituições que permitissem a todas as pessoas estarem efetivamente participando da riqueza da nação. Juntaram-se para formar o PT pessoas vindas dos mais diversos movimentos de raízes contra a ditadura: os movimentos cristãos, os marxistas, os leninistas, os trotskistas, os operários industriais, assalariados do comércio e dos serviços, funcionários públicos, moradores de periferia, trabalhadores autônomos, camponeses, trabalhadores rurais, intelectuais, profissionais liberais, mulheres, negros, estudantes, índios e, com o tempo, empresários que consideraram importante construir um Brasil onde cada pessoa pudesse ter direitos plenos à cidadania. Naquela reunião histórica no Colégio Sion, onde estavam presentes filiados ilustres que representavam a luta de tantas gerações por maior liberdade, igualdade e fraternidade, como Sérgio Buarque de Holanda, Mário Pedrosa, Perseu Abramo, Madre Cristina, Antonio Candido e Manoel da Conceição, houve como que uma percepção fundamental. Ainda que diversos dos presentes houvessem participado - e alguns ainda estavam participando - de movimentos de resistência armada ao regime, todo o esforço do PT seria carreado para a construção de uma sociedade democrática através de métodos que não envolvessem a violência. Assim, o PT, desde o seu manifesto inicial, afirmou seu compromisso com a democracia plena e exercida diretamente por toda a população. Proclamou sua participação nas eleições dizendo que as suas atividades parlamentares estariam relacionadas ao objetivo de permitir que todos que estivessem submetidos a condições de exploração pudessem se libertar daquela situação. Diagnosticavam os seus fundadores que a liberdade nunca foi nem seria dada de presente, mas seria resultado do próprio esforço coletivo. Para que isso fosse possível, era necessário que o partido tivesse uma estrutura interna exemplarmente democrática, onde seus membros pudessem assumir responsabilidades não apenas nos momentos de eleição, mas no dia-a-dia da vida dos trabalhadores e dos movimentos por direitos à cidadania. Daqueles que se tornaram representantes do povo nas câmaras municipais, nas assembléias legislativas e no Congresso Nacional foram exigidos compromissos bem definidos nos seus estatutos, como antes não costumava acontecer com a maioria dos partidos políticos, desde a contribuição significativa dos proventos de cada parlamentar - no início, 30% do bruto; hoje, 22% do líquido - para o partido. São muitos os testemunhos sobre como é que cada pessoa ingressou no PT. Depois de completar o meu Ph.D. em economia na Michigan State University, em 1973, sendo professor na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, passei a escrever artigos na imprensa analisando como os diferentes segmentos da sociedade influenciavam o governo na hora de tomar decisões sobre os instrumentos de política econômica, quais eram as conseqüências para a distribuição da renda e assim por diante. Na "Ultima Hora", na "Visão", de 1976 a 1980 na "Folha de S. Paulo". Certo dia, em agosto de 1976, fui fazer uma palestra na Fundação Santo André sobre o tema. Um assessor, Oswaldo Cavignato, do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Lula, perguntou-lhe se não gostaria de assistir a uma palestra daquele professor. Lá estava Lula na sala dos estudantes do quarto ano de economia. Ao terminar minha fala, abrindo para perguntas, Lula fez uma série de reflexões interessantes. O que levou o professor a exclamar: "O que dirá o diretor da faculdade ao saber que está aqui um perigoso líder sindical?" Lula ficou um pouco constrangido, resolveu sair da classe. Respondi as diversas perguntas dizendo o quanto os economistas deveriam sempre levar em conta tanto as vozes dos empresários, quanto dos trabalhadores na hora de tomar decisões. Ao terminar, Lula estava no pátio nos esperando. Conversamos um bocado. Ele convidou-me para ir ao sindicato para continuarmos a conversar, o que acabou ocorrendo inúmeras vezes. Em 1976,77 e 78, muitas pessoas disseram que eu deveria defender no Parlamento as idéias contidas nos meus artigos, especialmente os publicados na "Folha de S.Paulo". Em setembro de 1978, candidato a deputado estadual, fiz o lançamento de meu livro, "Compromisso", no calçadão da Barão de Itapetininga, em frente à Livraria Brasiliense, num diálogo com Lula e com o povo. Aquela conversa foi publicada na íntegra pelo "Leia Livros". Ali, pela primeira vez, publicamente, Lula formulou a proposta de formar o PT, segundo o testemunho de seu companheiro de diretoria, Osvaldo Bargas, hoje secretário de relações de trabalho. Em 1979, como deputado estadual, acompanhei de perto e os movimentos dos trabalhadores metalúrgicos e de outras categorias. O presidente Ernesto Geisel, por decreto, extinguiu então o MDB, pelo qual me elegera, e a Arena. Diante disso, os que estavam formando o PT me convidaram para participar de sua fundação. Como saber se os 78 mil eleitores que haviam votado em mim gostariam que eu ingressasse no PT? Como não havia meio de consultar a todos, resolvi pedir, da tribuna da Assembléia Legislativa, e em minhas entrevistas, que meus eleitores respondessem o que achavam. Lembro-me que mais de 85% consideraram a decisão correta. Assim, decidi participar do PT em sua fundação. Com o passar dos anos, tenho mais e mais a convicção de que foi uma decisão acertada. Tenho a certeza de que é o melhor lugar para que eu continue a expressar as minhas convicções, democraticamente, mesmo quando elas não estão de acordo com o que pensa a direção ou a maioria no partido. Pelo PT tornei-me deputado federal, vereador e presidente da Câmara Municipal de São Paulo, fui o primeiro senador eleito em 1990, reeleito em 1998, fui candidato não eleito a prefeito de São Paulo em 1985 e 1992, a governador em 1986. Em 2002, fui pré-candidato à Presidência, proporcionando pela primeira vez na história do Brasil que todos os filiados do partido, 172 mil compareceram, escolhessem Lula com 84,4% dos votos, tendo eu obtido 14,6%. A prévia, prática que consta de nosso estatuto, legitimou ainda mais sua candidatura. Desta vez, vou apoiá-lo desde já para sua reeleição, uma vez que agora, embora tenhamos sido contrários, o princípio consta da Constituição. Avalio que, apesar de todas as dificuldades, passo a passo, o presidente Lula está avançando na direção de alcançar os objetivos definidos há 25 anos.