Título: Vira moda doar direitos a instituições beneficentes
Autor: Mello, Olga de
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2007, EU & Investimentos, p. D6

A responsabilidade social está em alta no mercado literário brasileiro. O movimento tímido, que começou a ganhar vigor nos últimos seis meses, é fruto de iniciativas isoladas de alguns autores, que têm destinado os direitos de livros a organizações não-governamentais (ONGs), sem temer as acusações de estarem investindo em marketing pessoal ou para suas empresas.

"Mais importante do que as quantias arrecadadas é a exposição que essas causas obtêm e os voluntários que elas vão atrair sempre que forem lembradas. Ser cidadão não é só pagar impostos, mas atingir os setores que o Estado não alcança completamente ", observa o advogado Francisco Müssnich, que doou os direitos de "Cartas a um Jovem Advogado" (Campus/Elsevier, R$ 33) ao Comitê de Democratização da Informática (CDI).

A tendência é que tais ações se multipliquem até pela própria natureza solidária do brasileiro, aposta o especialista em marketing Augusto Nascimento, que acaba de lançar "Gestão de Marketing e Branding com os 4 Es" (Campus/Elsevier, R$ 39,80), escrito em parceria com o americano Robert Lauterborn. Uma segunda edição do livro já está sendo rodada, pois a primeira se esgotou em cinco dias. Os direitos autorais serão encaminhados ao Sítio Agar, uma instituição que cuida de crianças soropositivas em Cajamar (SP).

"Esse tipo de ação vai se disseminar no Brasil até porque o executivo e o CEO de hoje não visam apenas ao trabalho e ao sucesso", diz Nascimento. "Essa mentalidade está se modificando. Há dez anos, o trabalho era voltado para a promoção e o produto. Hoje, as pessoas que vão receber aquele produto são o alvo das campanhas. Chegou a hora de pararmos de ignorar problemas que o governo não tem como resolver sozinho."

Nascimento se interessou em dar visibilidade ao projeto desenvolvido no Sítio Agar depois da morte de um parente em decorrência da aids. "São 60 crianças sem família próxima, recebendo cuidados médicos e educação. Se o livro for um sucesso, a quantia não vai acabar com as necessidades da instituição, mas vai ajudar muito."

Marian Zahar, diretora-executiva da Jorge Zahar, quer fiscalizar a aplicação dos recursos junto ao beneficiário. "Até para participarmos mais ativamente desse processo, queremos acompanhar de perto o que acontece com o dinheiro. Sabemos que dificilmente essas instituições vão ganhar fortunas, ninguém está cedendo direitos de um best-seller do calibre do 'Código Da Vinci'. É importante que todos os procedimentos sejam executados de forma transparente", diz.

Mariana vai solicitar relatórios sobre o uso das quantias que forem enviadas ao Instituto Pró-Saber, que receberá os direitos autorais de "A Economia em Pessoa", uma coletânea de textos sobre economia do poeta Fernando Pessoa, organizada pelo economista Gustavo Franco, lançado anteontem em São Paulo.

"A trajetória comercial do livro deverá ser modesta, mas nem por isso deixa de ser significativa a contribuição com uma instituição importante, dedicada ao treinamento e aperfeiçoamento de professores de ensino fundamental e pessoal que trabalha em creches", comenta Franco, ex-presidente do BC.

"A Economia em Pessoa" teve uma primeira edição patrocinada, "com pequeníssima comercialização e a maioria dos volumes foi presente para clientes", conta. Como houve interesse por uma segunda edição, Franco decidiu lançar uma tiragem comercial, mas preferiu destinar a receita para o Pró-Saber, "levando-o a ser associado à figura do poeta, que teve uma vida empresarial ativa, bem distinta da persona do escritor romântico", diz.

O economista já está preparando um outro livro do gênero, com crônicas de Machado de Assis - cujo centenário de morte será lembrado no ano que vem - sobre o panorama econômico de sua época, que deverá ter seus direitos também cedidos a uma ONG.

Para Robert Lauterborn, as ações de responsabilidade social sempre contam positivamente para a imagem das empresas. Ele ressalva que, no entanto, contribuir para uma causa social é algo muito maior do que marketing. "Todos os esforços pela melhoria das condições de vida no planeta precisam ser incentivados. Não se concebe mais uma empresa distanciada da realidade em torno dela e que não tenha uma política sustentável."

Müssnich concorda que a responsabilidade social agrega valor às empresas, ressaltando, porém, que boa parte das pessoas que fazem trabalho voluntário não gostam de aparecer. "Não é marketing, é trabalho. Não é autopromoção, mas a consciência de que precisamos participar ativamente da integração de todos na sociedade."

A instituição que mais congrega voluntários no Brasil é o Instituto Nacional de Câncer, um dos favoritos nas doações. Parte do que foi obtido nas vendas de "Claro Como o Dia - Como a Certeza da Morte Mudou Minha Vida" (Nova Fronteira, R$ 24,90), do ex-CEO da KPMG Eugene O'Kelly, foi destinada ao Inca, que a partir de setembro dividirá com o Hospital AC Camargo os direitos autorais de "Sem Medo de Saber" (Sextante, ainda sem preço definido), do advogado carioca Ilam Gorin, que trata do diagnóstico precoce de câncer.

Em janeiro, o criador do Ibest, Marcus Weittreich, determinou a entrega dos direitos autorias do "Manual de Pais e Mães Separados" (Ediouro, R$ 24,90) para o Ajuda Brasil.

No fim de 2006, Alexandre Pavan decidiu distribuir 1.100 exemplares da sua biografia de Hermínio Bello de Carvalho, "Timoneiro" (Casa da Palavra, R$ 30) a bibliotecas e escolas de música do país. Agora, emprega os direitos autorais para custear algumas despesas de seu novo projeto, a digitalização dos arquivos de Hermínio. "O livro era patrocinado, minha pesquisa foi subvencionada, nada mais justo que eu utilize a receita na continuidade do projeto. É difícil alguém ficar rico escrevendo livro no Brasil mesmo. A gente escreve porque é necessário", afirma.