Título: CPI vai investigar intenção de transferir cargas para Ribeirão
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2007, Brasil, p. A4

Uma imprevista acareação entre o brigadeiro José Carlos Pereira, ex-presidente da Infraero (estatal que controla os aeroportos), e Denise Abreu, diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), convenceu o relator da CPI do Apagão Aéreo do Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO), a investigar tentativas de transferir uma parcela do setor de cargas aéreas dos aeroportos de Guarulhos e Viracopos, em Campinas, para o de Ribeirão Preto (SP).

"A operação é totalmente suspeita e vamos apurar. Se houver indícios de favorecimento da diretora da Anac, vamos pedir a quebra dos seus sigilos bancários, uma vez que ela não os disponibilizou para a CPI", disse Demóstenes. Estavam previstos depoimentos separados de Pereira e Denise, mas como nenhum deles se opôs, permaneceram juntos e puderam se confrontar em alguns momentos. Não houve tensão entre eles e o brigadeiro negou ter acusado a executiva de tentar transferir parte dos vôos de carga para Ribeiro Preto com a intenção de beneficiar o empresário Carlos Ernesto Campos.

As acusações foram publicadas em entrevista concedida ao jornal "O Globo" de 6 de agosto, véspera de Pereira entregar o cargo ao ministro da Defesa, Nelson Jobim. Denise, que interpelou judicialmente o brigadeiro para explicar o que considerou "calúnias", considerou a posição de Pereira como uma "retratação".

"O brigadeiro amarelou", concluiu o relator da CPI do Apagão, depois de mais de quatro horas de reunião. "E ela veio para arrumar as coisas. Negou tudo de que é acusada. Foi uma sessão de desmentidos", disse Demóstenes. Ele pedirá ao Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp) a cópia da licitação realizada para operação do setor de cargas aéreas, vencida pelo empresário citado.

O aeroporto de Ribeirão Preto é administrado pelo Estado de São Paulo e não pela Infraero. O então presidente da estatal se opôs à retirada de parte do setor de carga dos aeroportos de Viracopos e Guarulhos, administrados pela estatal, porque perderia receita.

A diretora da Anac negou ter agido para favorecer o empresário, de quem desmentiu ser amiga. Afirmou ser contrária à transferência de parte da operação de carga aérea para Ribeirão Preto, cujo aeroporto não tem, segundo ela, estrutura para absorver o setor. "Dentro de São Paulo há outras alternativas. A melhor é a realização de obras em Viracopos", disse a diretora. "Se ela é contra, por que falou a favor da transferência?", perguntou o relator da CPI.

A líder do PT, Ideli Salvatti (SC), tentou politizar a discussão pelo fato de a licitação ter sido realizada pelo governo paulista, na gestão tucana, e também porque a decisão da Aeronáutica, de tornar o aeroporto de Ribeirão Preto internacional, ter sido tomada no fim do governo FHC. Ela considerou "esdrúxula" e "fato gravíssimo" a internacionalização de um aeroporto regional, sem estrutura. "É claro que deram expectativa de algo que não foi entregue", disse.

O senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) rechaçou a tentativa de responsabilizar o PSDB e o relator encerrou a discussão. "O governo FHC deu, o governo Lula manteve e não podemos partidarizar", disse Demóstenes.

O brigadeiro, no depoimento, defendeu que o governo federal investigue as empresas aéreas que atuam no país. "O acidente com o Airbus A320 da TAM levantou o tapete da infra-estrutura. Antes, havia sido levantado o tapete dos controladores. As empresas aéreas estão aí. É preciso levantar o tapete das empresas aéreas", afirmou.

A diretora da Anac negou todos os fatos que lhe renderam acusações. O último, de que teria orientado empresas aéreas a descumprir determinações do Conselho de Aviação Civil (Conac) de restringir vôos em Congonhas, em recente reunião. Esclareceu ter dito às empresas que a resolução precisaria ser cumprida e eventuais divergências deveriam ser levadas ao Conac, a Jobim ou à Justiça.

Denise confirmou ser amiga do ex-ministro José Dirceu (PT), mas negou ter sido indicada por ele para compor a Anac. Afirmou ter tido sempre atuação suprapartidária, citando ter trabalhado em funções jurídicas e sociais nos governos Franco Montoro, Fleury Filho e Mário Covas. Pediu afastamento do governo em 2003 para trabalhar na Casa Civil da Presidência da República, a convite de Dirceu.