Título: Bancadas unidas, líderes divididos: votações das listas fechada e flexível
Autor: Roma, Celso
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2007, Opinião, p. A14

O plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, há cerca de um mês, um projeto de lei (PL nº 1210) e um requerimento de emenda aglutinativa, cujo conteúdo alteraria o formato das listas de candidatos a serem apresentadas pelos partidos políticos nas próximas eleições para as Assembléias Legislativas. A primeira proposta, relativa à lista pré-ordenada, foi rechaçada no plenário por 58% dos deputados presentes, enquanto a segunda, referente à lista flexível, também recebeu a negativa da maioria dos votantes (54,2%), apesar de ser considerada pelos líderes dos partidos como a alternativa mais viável. Fracassou, assim, a tentativa de aprovar o primeiro ponto da reforma política em curso.

Esse insucesso inicial dos reformistas pode ser atribuído à falta de consenso entre as principais legendas e não à divergência dentro de suas bancadas de parlamentares. Os líderes conseguiram coordenar os votos das suas respectivas bancadas de deputados, mas falharam em chegar a um consenso que permitisse avançar na reforma das instituições políticas do país.

De acordo com o conteúdo da tabela, os parlamentares comportaram-se de maneira coerente nas duas votações ao seguirem o encaminhamento do voto do líder do seu partido. A taxa de unidade partidária revela-se muito alta. Com as exceções do PSC e do PPS, a maioria das siglas partidárias pôde contar com todos os filiados que estiveram presentes no plenário (quando a taxa de disciplina é igual a 100, o valor máximo). Os membros do PCdoB, embora tenham contrariado a orientação do líder do bloco de partidos do qual fazem parte, votaram totalmente coesos em torno de uma opção. Mesmo o PMDB, tido como o partido mais dividido entre os grandes, apresentou uma taxa de unidade acima de 75 pontos, na segunda votação.

Do total de deputados, menos de um décimo desobedeceu à orientação do seu líder. Mas a reversão dos votos dos indisciplinados seria insuficiente para alterar o placar dessas votações. O número de deputados que faltaram ou se abstiveram chegou a aproximadamente 15% dos 513 membros que compõem a atual legislatura. A presença dos faltosos tampouco reverteria o resultado final.

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Os partidos marcaram posição em torno desse tema da reforma política. Somente o PPS e o grupo formado pelo PMDB, PPS e PSC liberaram suas bancadas, e isto ocorreu na votação da lista fechada. A maioria dos partidos optou por reprovar tanto a alternativa de lista fechada como a versão atenuada de lista flexível. O PT apoiou a aprovação da lista pré-ordenada para as próximas eleições, contando, entre seus aliados no governo, com o apoio incondicional do PCdoB, o episódico do P-SOL e o inesperado de seu maior adversário, os Democratas. Já na votação da emenda da lista flexível, os petistas receberam a ajuda adicional do PMDB, do PSC, do PTC e do PPS. Por sua vez, o PSDB tomou rumo diferente dos DEM (ex-PFL) e, para impedir essa mudança institucional, alinhou-se até com seus rivais nessa legislatura, como o PDT, o PTB, o PP, o PV, o PMN, PHS, PRB, PSB, PTdoB e o PR. Observou-se, portanto, uma cizânia entre os partidos que integram a coalizão de apoio ao governo e entre os que formam o bloco oposicionista. Disto, podemos deduzir que, quando mudanças nas regras do jogo político estão em pauta, partidos aliados podem tornar-se rivais, e rivais, aliados.

Em verdade, os líderes se posicionaram nessas votações de acordo com as expectativas sobre o impacto que esse ponto da reforma política teria em sua organização partidária. Partidos com estruturas mais densas, como o PT, o PCdoB, o P-SOL e o DEM, podem se adaptar com facilidade à adoção de uma lista fechada, pois eles já exercem maior controle sobre o processo de filiação e composição de suas chapas de candidatos. Com a vigência da nova regra, essas legendas apenas reforçariam traços que já são característicos de suas estruturas. Isto justifica o apoio deles à provação da lista fechada ou flexível. Por sua vez, o PMDB, o PSDB e os pequenos partidos dotados de uma organização mais descentralizada e menos hierárquica teriam que alterar suas regras de convivência partidária, transferindo poder da base de filiados para os líderes, os quais passariam a ter mais influência sobre a composição da lista de candidatos. O problema é que os líderes desses partidos enfrentariam resistência na efetivação dessa regra e ao mesmo tempo estariam incertos sobre a positividade de seus efeitos.

Em poucas palavras, a reforma política encontrou um obstáculo - a falta de coordenação dos líderes dos partidos - que, se não for superado, tornará a aprovação dos demais tópicos uma tarefa muito difícil. Sem um acordo prévio entre as lideranças, a mudança institucional do país não sairá do papel.

Celso Roma é doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente participa do Grupo de Formação de Quadros Profissionais do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP.