Título: Necessidade de caixa pressiona mercados
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2007, Finanças, p. C1

O estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos levou os mercados financeiros a oscilarem de forma brusca em um ambiente de liquidez cada vez mais reduzida. Apesar da recuperação em Nova York no final da tarde, os analistas consideram que o furacão financeiro ainda não passou.

As tensões vindas de fora levaram fundos nacionais e tesourarias de bancos a baterem nos seus limites máximos de risco, com necessidade de obter caixa imediato que gerou pânico. O desmonte de posições tornou exponencial a variação de preços. A dificuldade de estabelecer o preço correto para os ativos paralisou completamente os mercados de menor liquidez. "Não há racionalidade nem fundamentos nessa hora: para fazer caixa, os gestores e tesoureiros saem vendendo tudo o que conseguem", disse Jorge Simino, diretor de investimentos da Fundação Cesp.

A bolsa de São Paulo chegou a cair 8%, o dólar subiu 4,9% e os juros projetados nos mercados futuros explodiram, com as taxas para janeiro de 2012 chegando em 13% ao ano, com relação ao fechamento de 11,80% anteontem. No final do dia, os rumores de que um banco chinês iria comprar o americano Bear Stearns puxou as bolsas de Nova York para cima, com recuperação generalizada.

A bolsa brasileira terminou com queda menor, de 2,58%, o dólar voltou para R$ 2,0940, com alta de 3,15%, e os juros subiram menos. Mas, a taxa de câmbio média ponderada pelo volume de negócios apurada pelo Banco Central, a chamada ptax, subiu para R$ 2,1124, um aumento de 5,39%. É a ptax que reajusta os contratos futuros na Bolsa de Mercadorias & Futuros e muitos vendidos tiveram de depositar pesados ajustes diários. O risco-Brasil, medido pelos contratos de swap de crédito de vencimento em cinco anos, subiu 21,18%, para 154,50 pontos básicos.

Gestores e tesoureiros ouvidos pelo Valor não vão carregar posições por enquanto. Preferem manter o dinheiro girando no overnight, pois estão incertos sobre o que vai acontecer no curtíssimo prazo e sobre qual será a próxima instituição financeira ou fundo a quebrar nos Estados Unidos ou na Europa. "Hoje, a gerência de risco tem poder de mando sobre o gestor e se eles mandam vender e esperar, a gente tem de fazer", comenta Simino. Com a volatilidade elevada, os níveis de risco médios das carteiras explodem.

A notícia de que a Countrywide Financial, que atua no setor imobiliário nos EUA, estava acessando US$ 11,5 bilhões em linhas de crédito para atender às suas necessidades de financiamento de curto prazo trouxe especial preocupação, diz o analista da Lehman Brothers, John Welch. Os bancos americanos têm enxugado a liquidez dos mercados com a necessidade desesperada de caixa para dar liquidez a empresas e fundos e se preparam para aumentar suas provisões para prejuízos com crédito duvidoso.

As declarações de William Poole, governador do Estado de St. Luis do Fed, banco central dos EUA, não ajudaram. Segundo ele, somente uma "calamidade" justificaria uma redução nos juros básicos (fed funds) americanos agora. Muitos investidores têm pedido uma reunião de emergência do Fed para cortar taxas de juros e entenderam o recado. Há rumores de que o Fed possa reduzir, no entanto, as taxas de redesconto sem alarde e sem que o Fed fosse acusado de socorrer os bancos e investidores que tomaram risco demais.

"Os Estados Unidos estão vivendo uma crise típica de país emergente", diz o diretor de pesquisas econômica do Bradesco, Octavio de Barros. Segundo ele, as projeções do mercado futuro mostram que a totalidade do mercado aposta que o Fed vá reduzir juros em 0,25% na sua reunião, no dia 18 de setembro. Entre os investidores, 30% já falam no corte de 0,5%.

As perdas têm se espalhado. Mas, no Brasil, os bancos estão com sobra de liquidez, diz o presidente do Unibanco, Pedro Moreira Salles. Os fundos mútuos, pelo menos por enquanto, estão desmontando posições mais por questões de gerenciamento de risco do que por causa de saques em volumes grandes demais, diz Simino. "Diferentemente do que aconteceu em outras crises, hoje os fundos mais arriscados só entregam o dinheiro ao cotista depois de 4, 30, 60 ou até 90 dias do resgate, o que tira a pressão de liquidez imediata", lembra o experiente gestor.