Título: Alta do dólar traz incerteza sobre rumo da inflação
Autor: Salgado, Raquel e Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2007, Finanças, p. C4

A forte alta do dólar acendeu a luz amarela em relação à trajetória dos preços na economia brasileira. A questão é que o câmbio valorizado tem sido fundamental para o controle da inflação. Até o momento, porém, ninguém acredita que possíveis repiques nos preços possam levar a inflação a superar o centro da meta definida para este ano, de 4,5%. A maior parte das previsões aponta para um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) inferior a 4%. Nesse cenário, a aposta predominante é de que os juros continuarão em queda, embora alguns economistas já esperem a interrupção no processo de redução da taxa Selic na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em setembro.

Com o câmbio mais perto de R$ 2 ou R$ 2,10, os índices de preços não devem escapar do controle, mas o risco inflacionário será maior. Essa é análise de Zeina Latif, economista-chefe para o Brasil do ABN AMRO Real. Para ela, a alta do dólar não é "um tremendo problema", mas joga areia no ambiente tranqüilo com o qual o Banco Central vinha trabalhando. "Será mais um fator a preocupar." Os demais, que já estavam presentes, são a pressão de alta nos preços dos alimentos e a demanda interna aquecida, que abre espaço para alguns reajustes de preços.

As previsões de inflação e de corte de juros do ABN AMRO não foram modificadas. O IPCA deve ficar em 4% em 2007 e em 2008 e os juros devem ser reduzidos em 0,25 ponto percentual nas próximas três reuniões. Zeina ressalta, no entanto, que pensa em rever a expectativa de juros para o próximo ano. "Pode ser que trabalhemos com manutenção ao invés de cortes de 0,25 ponto", comenta.

Os economistas ainda acham que é cedo para avaliar com precisão os efeitos dos solavancos no mercado sobre o câmbio e, conseqüentemente, sobre a inflação, mas já não há a mesma convicção de que o dólar chegará ao fim do ano cotado entre R$ 1,80 e R$ 1,90. Zeina, por exemplo, prevê uma moeda de R$ 2 em dezembro.

Se por um lado a turbulência pode ser ruim para a inflação, por conta da pressão sobre o câmbio, de outro ela pode ajudar a segurar alguns preços. Segundo Fábio Silveira, da RC Consultores, esta crise já reduziu a previsão de crescimento da economia mundial, o que fez os preços das commodities metálicas "derreterem". "Alumínio, minério já estão caindo e podem contrabalançar a alta de outros preços", explica. Mesmo assim, ele espera que o BC, "por ser extremamente cauteloso, se assustará com os movimentos atuais e vai parar o processo de redução de juros já em setembro."

A maior parte dos analistas, porém, é menos pessimista do que Silveira. O economista Sérgio Vale, da MB Associados, continua a apostar que há espaço para três cortes da Selic de 0,25 ponto percentual neste ano, o que levaria os juros para 10,75% ao ano em dezembro. Ele acredita que a alta do dólar não deve durar muito, porque vários fatores estruturais tendem a empurrar a moeda para baixo, como o saldo comercial superior a US$ 40 bilhões por ano.

Vale estima um câmbio de R$ 1,90 no fim deste ano e de R$ 2 no fim do ano que vem. Ele diz, no entanto, que uma eventual manutenção do dólar num nível mais elevado por mais tempo teria impacto sobre a inflação, podendo levar o BC a interromper a trajetória de redução da Selic antes do que se imagina. Para ele, o repasse da desvalorização do câmbio para a inflação tende a ser maior no cenário atual, marcado por um forte crescimento. O ponto é que as empresas têm mais facilidade para repassar aos consumidores eventuais aumentos de custos advindos do câmbio desvalorizado num ambiente de aquecimento da economia. Vale prevê um um IPCA de 3,7% neste ano, "com viés de alta". "Mas isso por causa das pressões de alimentos e serviços, não do câmbio", afirma ele, insistindo na avaliação de que a alta do dólar é transitória.

O professor da PUC-Rio, Luis Roberto Cunha, espera que a inflação fique em 3,8%, mas lembra que quando o câmbio valoriza, o repasse para os preços vem devagar, subindo as escadas. Já a desvalorização "chega de elevador."

A exemplo de Vale, o economista-chefe do Itaú, Tomás Málaga, também acredita que o BC deverá promover três cortes de 0,25 ponto da taxa Selic neste ano. No entanto, se a moeda americana se consolidar na casa de R$ 2,10 a R$ 2,20 nas próximas semanas, o BC poderia interromper a trajetória de queda dos juros, iniciada em setembro de 2005. avalia ele. Málaga prevê um IPCA de 3,7% neste ano, apostando num dólar de R$ 2 em dezembro. Uma elevação mais forte do dólar poderia até mesmo fazer o BC elevar os juros em 2007, afirma ele, ressalvando que considera esse cenário muito improvável.

O economista Otávio Aidar, da Rosenberg & Associados, prevê um IPCA de 3,6% neste ano e 4% em 2008, num cenário em que dólar termina tanto este ano como o próximo em R$ 1,95. de R$ 1,95 em dezembro. Segundo suas estimativas, se o câmbio fechar 2007 e 2008 em R$ 2,10, o indicador tenderia a ficar em 4% neste ano e em 4,65% no ano que vem. Aidar ressalta, porém, que essas previsões pressupõem uma Selic de 10,75% em dezembro de 2007 e de 10% no fim de 2008. "Mas certamente ocorrerá uma alteração na trajetória de juros do Banco Central caso a taxa de câmbio continue depreciando."