Título: O mundo fora de controle
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2007, EU & Investimentos, p. D1

O mundo está de ponta-cabeça. Quem era pessimista há um mês, hoje é considerado otimista. De 19 de julho, quando bateu 58.124 pontos, até ontem, o Índice Bovespa perdeu 19,28%, percentual que, em dólar, chega a 30,81% por conta da crise de liquidez iniciada com as perdas de fundos internacionais com títulos hipotecários de risco "subprime". As perdas não se limitam, porém, à bolsa de valores. A moeda americana, largada há meses, disparou para R$ 2,09, ou 13,5% em relação ao piso de R$ 1,84 de 23 de julho. E os juros prefixados de 12 meses entre bancos, que estavam abaixo dos 10,70% em 18 de julho, fecharam a 11,84%.

O impacto dessa reviravolta atinge praticamente todas as aplicações: no dia 14, por exemplo, de 660 fundos de renda fixa, 181 tiveram perdas segundo dados do site Fortuna, muitos deles mais agressivos, que possuem papéis prefixados ou longos títulos indexados à inflação. E esse impacto será maior quando entrarem as cotas relativas a ontem, quando os juros subiram ainda mais. Nos multimercados, as perdas também foram fortes e vários gestores independentes acumulam perdas de 4%, 5% no mês. Um fundo do Opportunity, o Mid 90, mais agressivo, chegou a perder 20% no mês até quarta, mas ainda tem ganho de 20% no ano.

Até dia 14, a crise havia reduzido o patrimônio dos fundos de ações em R$ 6,5 bilhões. Já os multimercados perderam R$ 2,470 bilhões, afirma Marcelo D'Agosto, do site Fortuna. Em termos de resgates, porém, as maiores perdas estão restritas aos fundos mais agressivos de renda fixa, de R$ 5,4 bilhões desde o dia 23 de julho.

A crise não poupou nem mesmo os fundos dos tarimbados ex-diretores do Banco Central. O Gávea, do ex-presidente do BC Armínio Fraga, perdeu 2,77% no mês até dia 14. Já o Mauá, do ex-diretor Luiz Fernando Figueiredo, perdeu 4,13%. Ambos acumulam ainda ganhos no ano de 10,25% e 5,67%, respectivamente.

As perdas fazem parte da característica desses fundos e estão dentro da volatilidade prevista, diz Figueiredo, da Mauá, lembrando que, no ano passado, a carteira rendeu 10,5 pontos acima do CDI. "Se um lápis hoje vale menos do que há uma semana, as aplicações também", diz ele, destacando que o setor de fundos brasileiro segue saudável, sem perdas exageradas como as que ocorrem no mercado internacional. "Para os padrões internacionais, nossos fundos hedge são muito caretas", diz ele, que faz questão de manter os clientes informados dos acontecimentos.

Para Figueiredo, o que ocorre é um processo de destruição de riqueza irracional provocada por uma crise de liquidez que começou com o "subprime" e se espalhou para o mercado de crédito. "A atuação dos bancos centrais melhorou um pouco a situação de liquidez, mas não a aversão ao risco, e isso leva a uma redução de aplicações em todo o mundo, como uma corrida a um banco", lembra ele. Para Figueiredo, o Fed, o BC americano, deu um passo importante ontem ao emprestar dinheiro por 14 dias a juros mais baixos (5%) que a taxa básica de 5,25%. "Provavelmente, se a crise se estender, ele pode reduzir a taxa básica ou, então, criar um fundo de liquidez, que recompre os títulos que não estão encontrando comprador no mercado, como os papéis imobiliários", diz. "Já estamos no momento de o Fed tomar uma decisão mais forte", diz.

A crise internacional transformou a analista chefe da Fator Corretora, Lika Takahashi, em pouco mais de um mês, de pessimista em otimista. Trabalhando com um preço justo para o Ibovespa em 51 mil pontos mesmo quanto o mercado já projetava até 65 mil pontos, Lika agora se sente mais confortável para recomendar alguns papéis que estão com preços interessantes, apesar da volatilidade. "Se não é exatamente a hora de ir às compras, as pessoas que foram mais cautelosas, ou querem fazer um rodízio de setores, podem aproveitar papéis que tenham maior previsibilidade de fluxo de caixa e que servem de proteção", explica. A sugestão são empresas boas pagadoras de dividendos, como Telesp Fixa, que projeta retorno de 10% no ano só de distribuição de lucros e tem ainda fluxo de caixa estável. O mesmo vale para CPFL e Weg, esta última beneficiada pela queda do cobre e pela alta do dólar. Outro setor sugerido por Lika é o de infra-estrutura, com empresas de concessões como CCR e ALL.

Para o investidor, a hora é de cautela, lamber as feridas e procurar barganhas, afirma o ex-BC e responsável pela BBM Asset Management Beny Parnes. "Não adianta se desesperar", afirma ele, que considera, porém, que a turbulência não é uma crise trivial. "Vamos ter de nos acostumar com um período de volatilidade, porque fica mais difícil fazer prognósticos", diz. Para Parnes, os eventos mostram que é provável que a economia dos Estados Unidos tenha uma queda maior de crescimento. "Certamente vamos ver uma redução mais brusca da atividade", diz ele, acrescentando que o Brasil vai, sim, ser afetado. "Não dá para falar de crise na balança de pagamentos, mas vamos ter maiores dificuldades de combater a inflação com a alta do dólar e isso pode mexer com crescimento e juros", diz ele, lembrando que o espaço de queda nos juros num ambiente de maior volatilidade e turbulência diminui. "O mundo está mais difícil e, como dizia meu pai, temos de ficar um pouco no cantinho de pensar".