Título: Mercado interno garante demanda mesmo com crise
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2007, Brasil, p. A3

A atual crise no mercado financeiro mundial não deve afetar o crescimento do Brasil no curto e médio prazo. A expansão da demanda doméstica, que cresce à taxa de 5,4% ao ano, e tende a se fortalecer nos próximos meses, não será freada nem por possíveis elevações dos juros. Uma alta de 1% na taxa Selic, que elevaria o juro real para a casa de 8% ao ano, ainda garantiria um crescimento de 7% no mercado interno neste ano e de 6,3% em 2008.

Os cálculos são de Alexandre Schwartsman, economista-chefe para a América Latina do ABN Amro Real e de Tatiana Pinheiro, também do ABN. "Se congelarmos as condições atuais a demanda doméstica vai continuar acelerando e terá um pico de crescimento em meados do próximo ano", diz o ex-diretor do Banco Central (BC).

Schwartsman, no entanto, está longe de comemorar esses números. Isso porque os cálculos de Cristiano Souza, também da equipe do ABN, mostram que o Produto Interno Bruto (PIB) potencial do país é de 3,8% ao ano. O que isso significa? Significa que o crescimento máximo que a economia pode atingir sem que existam fortes pressões nos preços é 3,8%. Para Souza, nem mesmo um incremento de 8% nos investimentos (Formação Bruta de Capital Fixo) em 2007 e de 6,5% no próximo ano, embutido em seus cálculos, vão permitir uma expansão maior sem mais inflação.

A aceleração da expansão da demanda não é um problema para a inflação de agora nem para a do ano que vem, mas pode fazer estragos a partir de 2009. "Os investimentos demoram um certo tempo para maturar. Não adianta achar que as empresas investem por um, dois anos em aumento de capacidade e que está tudo bem", ressalta Souza.

Embora não acredite em um arrefecimento do mercado interno no curto prazo, Bráulio Borges, economista da LCA Consultores, não vê sinais de crescimento acima das possibilidades da economia brasileira. "O produto potencial é algo dinâmico e não estático. No ano passado, estava em 3,8%, mas neste ano, com a expansão robusta dos investimentos, ele já chega perto dos 4,5%", argumenta.

Borges lembra que a utilização da capacidade instalada da indústria se reduziu recentemente, ao passo que a produção industrial acelerou. Com isso, na sua avaliação, a indústria está com mais folga para incrementar suas atividades sem precisar aumentar preços. Há as importações, que estão tendo papel fundamental no abastecimento do mercado interno. Outro ponto relevante é o crescimento da produtividade. No primeiro semestre deste ano, esse indicador cresceu 3,5%, acima do resultado fechado de 2006, quando a relação entre a produção e as horas pagas ao trabalhador subiu 2,5%.

A visão de Schwartsman é bem menos otimista. Segundo seus cálculos, a quantidade de produtos importados pelo país precisaria estar crescendo a uma taxa 20% superior a das exportações para evitar a possibilidade de aumento de preços decorrentes de descompassos entre a oferta e a demanda. Atualmente, esse percentual é de 13%.

As condições atuais do mercado financeiro e da economia mundial, no entanto, não fazem com que o economista-chefe do ABN altere suas previsões para crescimento e inflação para 2007 e 2008. "Não vamos desacelerar, não com o nível atual da taxa de juros. Teria que ser feito um grande esforço de aumento da Selic para que isso acontecer", diz.

Ainda assim, ele não aposta mais em três cortes de 0,25 ponto percentual nos juros até o fim do ano - seu cenário anterior à crise. Agora, ele acredita que o Banco Central vai reduzir a Selic na reunião de setembro, mas depois há a chance de "parada técnica devido às turbulências."

O panorama da LCA é bem diferente. Borges aposta que os cortes vão continuar de 0,25 em 0,25 ponto percentual até o fim do segundo semestre de 2008. A partir daí, o BC deve reduzir os juros a cada duas reuniões. Com isso, 2007 encerraria com uma Selic em 10,75%, e depois ela chegaria aos 9,25% no próximo ano. Já a expectativa para o PIB é de 4,7% e 5%, respectivamente.