Título: Pesquisa detecta 107 cidades sem plano diretor
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2007, Brasil, p. A4

Cinco meses depois de vencido o prazo definido no Estatuto das Cidades, pelo menos 107 municípios obrigados a instituir ou a rever seu plano diretor não tinham sequer tomado a iniciativa de encaminhar o respectivo projeto de lei à Câmara de Vereadores, até março deste ano. Essa foi a situação encontrada pela Secretaria de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, após uma pesquisa com 93% dos 1.678 municípios atingidos pela exigência. Além de sujeitar prefeitos e ex-prefeitos a responder ação civil pública por improbidade administrativa, o problema impede que as prefeituras autorizem novos loteamentos, alerta o Ministério Público do Estado do Maranhão.

O plano diretor é a lei municipal que estabelece a política de desenvolvimento e expansão urbana. É por intermédio desse instrumento que as cidades definem como será a ocupação do solo (por exemplo, onde pode ou não haver atividade comercial, industrial, rural, residências, áreas de preservação ambiental etc).

A Lei Federal nº 10.257, de 2001, conhecida como Estatuto das Cidades, exigiu que tenham plano diretor os municípios com mais de 20 mil habitantes. O mesmo foi imposto às cidades que, mesmo com população menor, façam parte de regiões metropolitanas, de aglomerados urbanos, de áreas de especial interesse turístico ou ainda de áreas de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

Entre essas, que totalizam 1.678, o universo das que não cumpriram o estatuto pode ser maior do que os 107 casos detectados pelo Ministério das Cidades. Isso porque 110 não enviaram as informações solicitadas pelo governo federal e outras 126 nem entraram no levantamento - feito em 1.552 municípios.

Ainda assim, o titular da Secretaria de Programas Urbanos do ministério, Benny Schasberg, recebeu com alívio o resultado da pesquisa, por ter mostrado que a falta de iniciativa é restrita a uma parcela pequena do grupo pesquisado, de no máximo 14% (7% com certeza).

"É patente que a maioria absoluta aprovou ou estava desenvolvendo seus planos diretores", afirma o secretário, chamando atenção para o número de 1.335 municípios que estavam nessa situação, ao final do levantamento, grupo que representa 86% dos pesquisados e quase 80% de todos os obrigados a ter plano diretor.

Mesmo entre os que tomaram providências e fizeram seus planos, pelo menos 427 também poderão ter problema com o Ministério Público dos respectivos Estados, a quem cabe a iniciativa das ações por improbidade administrativa pelo descumprimento do Estatuto das Cidades. Eles perderam o prazo para aprovação, terminado em 9 de outubro de 2006.

O fato de essas 427 administrações terem conseguido cumprir a exigência do estatuto depois do previsto não necessariamente livra os respectivos prefeitos e ex-prefeitos de processo por improbidade, informa o promotor de Justiça Luiz Fernando Cabral Barreto Junior, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Cultural do Ministério Público do Maranhão (Caouma). Segundo ele, as ações podem atingir os governantes que ocuparam o cargo a partir de 2001.

O ajuizamento dessas ações, porém, não é automático, tranqüiliza Cabral Barreto Junior. Mesmo com a perda do prazo, esclarece, o Ministério Público só poderá responsabilizar e pedir punição para os atuais prefeitos ou antecessores após abrir investigação e conseguir provar que o atraso decorreu, efetivamente, da negligência, de descaso com a lei - e não de outros fatores. "O estatuto diz que incorre em improbidade o prefeito que deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observância do disposto no § 3o do art. 40 e no art. 50", lembra o promotor maranhense.

Mesmo o prefeito tendo se esforçado, o plano pode não ter saído a tempo, por exemplo, por falta de consenso político entre os atores envolvidos na discussão. Como o estatuto manda que os planos sejam elaborados de forma participativa, o debate não fica restrito aos poderes Executivo e Legislativo municipais. Os representantes da sociedade também precisam se envolver, o que torna o processo naturalmente mais demorado.

Por outro lado, o promotor faz um advertência. Nos casos em que de fato houve improbidade administrativa, nem uma eventual prorrogação do prazo pelo Congresso vai livrar os governantes da responsabilização e das sanções - que podem levar à perda de mandato e do direito de concorrer de novo em eleições por um determinado tempo.

Tramita na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados (CDU) um projeto de lei, antigo, propondo alterar o Estatuto das Cidades para conceder mais tempo de aprovação dos planos diretores, até outubro de 2007. O texto já foi aprovado pelo Senado.

Se passar também na Câmara, o projeto não terá, porém, o condão de anistiar os governantes que, por improbidade, levaram seus municípios a perder o prazo original de aprovação do plano diretor, entende Luiz Fernando Cabral Barreto Junior. Esse foi o entendimento formalmente manifestado por ele aos membros da CDU, quando consultado durante uma audiência pública sobre o tema.

"A prorrogação do prazo só teria o efeito que muitos prefeitos esperam se fosse aprovada antes de vencido o prazo original. Então, sob esse ponto de vista, é inútil", explicou ele ao Valor. Diante desse entendimento, o presidente da CDU, deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA), acha que dificilmente o projeto será aprovado. Outro fator levado em consideração é que o possível novo prazo também está perto de se esgotar.

O Ministério das Cidades também é contra a prorrogação, por achá-la desnecessária, já que a grande maioria dos municípios cumpriu o Estatuto das Cidades . Como propõe o promotor maranhense Cabral Barreto, Benny Schasberg entende que a melhor forma de resolver os casos remanescentes de desenquadramento é por intermédio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre as prefeituras e o Ministério Público Estadual.

Nesses termos, as prefeituras se comprometeriam com um cronograma de providências necessárias à aprovação de um plano diretor participativo, como exige o estatuto.