Título: Debate técnico marcará inquérito do mensalão, dizem ministros do STF
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2007, Política, p. A6

Aguardado como o grande julgamento político dos últimos anos, o inquérito do mensalão, que será apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir da próxima quarta-feira, deverá se transformar numa discussão técnica de direito penal.

O Valor ouviu ministros do STF sobre a expectativa de o tribunal confirmar ou não a denúncia contra os 40 envolvidos no mensalão. Politicamente, trata-se do maior escândalo do governo Lula: ministros que eram próximos do presidente, como José Dirceu e Luiz Gushiken, e parlamentares do PT e de outros partidos (PP, PL, PTB e PMDB) teriam participado de um esquema envolvendo vultuosas quantias em dinheiro para favorecer o governo em votações no Congresso. Mas, juridicamente, o caso do mensalão está sendo encarado no STF como um debate técnico: a possibilidade ou não de abertura de ação penal contra cada um dos envolvidos.

Por causa dessa diferença entre os enfoques político e jurídico, ministros do STF acreditam que o julgamento do mensalão pode gerar um anticlímax. Eles compreendem que a classe política e os meios de comunicação estão esperando respostas definitivas da Justiça quanto ao mensalão, mas o que verão, alertam os ministros, será uma discussão técnica envolvendo questões de direito penal.

"A questão é eminentemente técnica", resumiu o ministro Ricardo Lewandowski. Ele explicou que, neste primeiro momento, o STF irá analisar apenas as ligações entre os fatos e os indícios apontados na denúncia do mensalão, feita pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza.

Os ministros admitem que será bastante trabalhoso, pois a Corte terá de verificar a relação entre cada fato apontado na denúncia e os indícios sobre cada envolvido. E entre as 40 pessoas denunciadas há várias citadas em mais de um crime.

"Será uma grande discussão sobre direito penal", definiu a ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha. "Para quem espera um julgamento político será um balde de água fria", advertiu. "Acho que será um anticlímax", completou Lewandowski, ao ser perguntado sobre a expectativa política com este julgamento.

O ministro Gilmar Mendes reconhece que o julgamento terá impacto político porque irá determinar a abertura ou não de ação penal contra personalidades do mundo político, mas enfatizou que a discussão será técnica. "O Supremo costuma ser bastante rigoroso na análise dos requisitos para a abertura de ação penal", disse Mendes. Ele também fez questão de ressaltar que, por ora, o Supremo julgará apenas a abertura ou não de ação penal contra os mensaleiros e, por este motivo, ainda está longe de qualquer condenação.

O ministro Joaquim Barbosa, relator do inquérito do mensalão, também evitou fazer análises políticas do caso. "Sou apolítico", disse, enfático. "Meu interesse por política é meramente intelectual", ressaltou ele, quando perguntado sobre as implicações políticas de um inquérito envolvendo ex-ministros e parlamentares petistas.

Barbosa estimou que o julgamento final deve ocorrer em quatro ou cinco anos. O inquérito tramita há dois anos no STF e, caso seja iniciada a ação penal, serão produzidas novas provas. Os envolvidos serão ouvidos novamente sobre cada acusação e somente após toda a tramitação é que será feito o julgamento em definitivo, condenando ou absolvendo os mensaleiros.

Por causa dessa trabalhosa tramitação, Barbosa defendeu a transferência de parte do inquérito para a 1ª instância. Mas a sua proposta foi vencida num votação bastante dividida. Em dezembro do ano passado, cinco ministros concluíram que quem não possui foro privilegiado (não é ministro nem parlamentar) deveria responder às acusações na 1ª instância, e não no STF. Mas, outros cinco ministros entenderam que há conexão entre os supostos crimes cometidos por parlamentares e pelos demais mensaleiros e, por isso, não seria possível separar o inquérito entre o STF e a 1ª instância. A solução, na época, foi dada pelo ministro Sepúlveda Pertence. Ele defendeu que os fatos envolvendo parlamentares devem ser apurados junto ao STF e os demais na 1ª instância. Como há parlamentares envolvidos em praticamente todos os fatos, o inquérito ficou no Supremo.

Essa discussão sobre o alcance do foro privilegiado num momento em que o Supremo se encontra assoberbado de processos - 100 mil novas ações por ano - deve ser retomada no julgamento que irá ocorrer a partir desta quarta-feira. Há ministros insatisfeitos com o excesso de julgamentos de políticos na Corte. Eles entendem que o STF deve se concentrar em grandes questões constitucionais, e não em apurações penais, por mais que envolvam autoridades . Barbosa tem se destacado nessa linha.

Outra corrente do STF defende a existência do foro para evitar arbitrariedades contra ministros de Estado na instâncias inferiores da Justiça. Gilmar Mendes é um expoente nessa outra corrente. Na semana passada, ele criticou decisão da 1ª instância que mandou os ex-ministros Pedro Malan (Fazenda) e José Serra (Planejamento) responderem pelos gastos do Proer (o programa de socorro aos bancos feito durante o governo FHC). Segundo Mendes, o juiz decidiu que eles teriam de responder por US$ 350 milhões. "Não estou a falar de privilégios, mas é preciso rever este modelo de responsabilizações", afirmou o ministro.

O STF reservou três dias inteiros para o início do julgamento. As sessões terão início pela manhã, e não à tarde, como é costume na Corte. Devem se estender pela noite.

Antonio Fernando de Souza acredita que a discussão política sobre o mensalão não irá interferir na decisão do Supremo e que a imagem do Ministério Público não será prejudicada caso o tribunal não inicie a ação penal contra os 40 mensaleiros - como aconteceu com o caso Collor, que foi absolvido pelo tribunal depois de ser denunciado pelo MP. "Não se pode extrair do julgamento qualquer avaliação política", afirmou o procurador-geral.

Para o seu antecessor no comando do MP, Claudio Fonteles, o mensalão "é um marco dessa nova fase de independência do Ministério Público". A independência, segundo Fonteles, vale para qualquer tipo de decisão, seja favorável à abertura de ação contra os mensaleiros, ou contrária. O importante, para ele, é que o MP está atuando com independência e denunciando autoridades por mais alto que seja o cargo e mais próximo ao presidente da República.