Título: Engenharia automotiva cresce mesmo sem incentivo
Autor: Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2007, Empresas & Tecnologia, p. B1

Em pouco tempo, um prédio, do mesmo tamanho do que já existe no centro tecnológico da General Motors, em São Caetano do Sul (SP), será erguido para comportar a nova equipe de engenheiros. O grupo precisa ficar duas vezes maior para atender à crescente demanda por novos projetos. A engenharia automotiva, destino de novas linhas de crédito a serem liberadas pelo governo federal, há tempos ganha reforço das matrizes das montadoras. O Brasil é um dos países de baixo custo que melhor sabe desenvolver carros com qualidade de Primeiro Mundo.

Apesar de não terem esperado os incentivos do governo para começar a dar mais liberdade de criação às equipes brasileiras, as montadoras recebem com muito gosto o sinal do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, dando conta de que a engenharia dos veículos será favorecida no elenco de estímulos preparado pelo governo. Afinal, a engenharia representa 25% do custo do projeto de um automóvel, segundo os executivos do setor.

O aproveitamento do potencial brasileiro se concentra, porém, nas montadoras com fábricas no Brasil há mais tempo. As que chegaram por último ainda dependem dos centros de desenvolvimento das matrizes. O ex-presidente da Toyota do Brasil, Hiroyuki Okabe, revelou antes de deixar o país, há pouco mais de um ano, que o projeto do tão esperado carro compacto da marca no Brasil, dependia do centro de desenvolvimento da matriz, atolada com os produtos destinados ao Japão e Estados Unidos, mercados com prioridade em qualquer montadora.

Incluir a engenharia nas linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o resultado de um trabalho que a indústria automobilística vem fazendo há algum tempo.

Do lado dos dirigentes das filiais brasileiras, pesa o interesse em manter a competitividade das fábricas daqui num momento em que China, Índia e Leste Europeu entram na briga. Conta muito saber desenhar todas as peças de um novo projeto.

"O financiamento para a engenharia é fundamental para sermos competitivos de maneira sustentável", afirma o diretor de assuntos corporativos da Ford na América do Sul, Rogelio Golfarb. "Se não tivermos o poder de projetar produtos mais baratos dentro de casa, teremos que designar a tarefa a alguém de fora", completa.

Do lado das matrizes, pesa o interesse em deslocar a concepção de um automóvel de regiões como os Estados Unidos, com custos mais altos e vendas estagnadas, para o Brasil, um mercado crescente e com genialidade de criação.

Tese de mestrado recentemente apresentada na Universidade de São Paulo mostrou que o Brasil é o quarto país de mais baixo custo de engenharia automotiva. E, mais surpreendente, os engenheiros brasileiros são mais rápidos que os chineses. O projeto de criação de um chicote elétrico leva 3 mil horas no Brasil e 5 mil na China.

"Nos tempos de mercado fechado o Brasil estava fora do circuito de desenvolvimento dos carros e limitava-se à adaptação dos componentes; mas hoje transformou-se num centro igual ao das matrizes das montadoras e melhor que os dos países emergentes que querem disputar a produção de automóveis", destaca o professor de engenharia de produção da USP, Mauro Zilbovicius.

Já faz um ano que a filial brasileira da General Motors do Brasil foi incluída entre os cinco centros mundiais para criação e desenvolvimento de veículos, com o requinte, inclusive, de ter se especializado na elaboração de projetos de veículos que não serão vendidos aqui, mas sim nos Estados Unidos e Europa.

Há pouco tempo foi apresentado, no salão do automóvel de Chicago, o Saturn Astra, um projeto de adaptação do veículo europeu para o mercado americano elaborado pela equipe de engenheiros brasileiros.

Segundo o diretor de engenharia de produto da GM para a América Latina, Luiz Carlos Peres, as próximas gerações de veículos dispensarão as adaptações. Cada veículo já vai nascer global e a GM do Brasil já recebeu a responsabilidade pela criação e desenvolvimento da arquitetura mundial das picapes de porte médio (tipo S-10).

O departamento de engenharia de produto da GM abriu 300 vagas no ano passado, contratará mais 200 profissionais este ano e 150. em 2008. Hoje conta com 1.350 engenheiros - o dobro do que havia em 2006. O aumento das contratações na área de engenharia de produto obrigou o pessoal da engenharia de manufatura a se deslocar de São Caetano para um local alugado pela montadora em São Paulo. Eles voltarão ao ABC quando o novo prédio, que receberá investimento de US$ 100 milhões, estiver pronto. "Hoje temos capacidade para 400 protótipos por ano; em 2008 serão 600", afirma Peres.

Na Fiat, a matriz decidiu apostar na criação dos brasileiros já em 2003, quando investiu R$ 400 milhões no chamado pólo de desenvolvimento em Betim (MG). Somente este ano, a montadora abriu 153 vagas na engenharia.

O novo carro compacto que a Ford prepara para o mercado brasileiro tem 100% de engenharia nacional. A montadora praticamente dobrou o número de engenheiros desde 2002 e conta agora com 1.200, concentrados na fábrica da Bahia.

Desde então, a Ford também definiu o papel da criação brasileira, mais voltado para carros pequenos que agradem os consumidores dos países emergentes.

O setor tem que acelerar a criação. Golfarb lembra que as chamadas plataformas de modelos antigos, como o Corcel, sobreviviam no mercado por 13 ou 14 anos. Hoje há exceções. Mas na média, uma plataforma de oito anos já é considerada velha. "Além disso, a engenharia automotiva brasileira já nasceu pobre, tem no sangue a consciência de criar com dificuldade de custos", destaca.