Título: Juros sobem nas linhas externas
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2007, Finanças, p. C1

O estouro na bolha imobiliária nos Estados Unidos puxou para cima as taxas de juros cobradas nas linhas externas para capital de giro para tomadores brasileiros na mesma proporção da alta do risco-Brasil. Bancos e empresas brasileiras têm evitado ao máximo tomar essas linhas para não referendar a alta, pois acreditam que os juros devem cair quando os mercados se acalmarem. Mas, quem quer tomar consegue, pois existe liquidez externa disponível em profusão.

Tesoureiro de um grande banco nacional informou que os investidores externos, que antes aplicavam seus recursos no país sem pestanejar, por causa dos juros elevados e do câmbio cada vez mais forte, agora fazem muitas perguntas. Querem saber, principalmente, se os bancos, fundos ou empresas brasileiros têm algum tipo de exposição ao crédito imobiliário de alto risco nos Estados Unidos, onde a crise de inadimplência está se ampliando, provocando um terremoto financeiro nunca antes visto. Itaú, Bradesco e Unibanco soltaram declarações públicas de que não têm ativos no segmento.

Dirigente de uma instituição de capital estrangeiro disse que conseguiria neste momento até ampliar as linhas para Brasil junto à matriz, se precisasse, mas que não há demanda por causa dos juros altos. Uma referência do aumento de custo são os prêmios de risco-Brasil dos swaps de crédito (credit default swaps, ou CDSs) de vencimento em cinco anos no mercado internacional, sobre os quais os bancos ou empresas brasileiras pagam um prêmio. Esses prêmios chegaram a bater 154,5 pontos básicos na quinta-feira, dia 16, para cair 17%, para 128,5 pontos básicos na sexta-feira. Mas, no dia 19 de junho, seu nível mínimo no ano, estavam a 61,4 pontos básicos. O aumento desde junho chegou a 109,3%.

Já as linhas de comércio exterior de curto prazo, consideradas mais seguras, quase não foram afetadas pelo aperto no crédito internacional e os bancos e exportadores têm operado normalmente neste mercado, pois os aumentos de prêmios de risco não passam os 5 ou 10 pontos básicos para empresas de primeira linha. Os riscos maiores tiveram ajustes ligeiramente superiores, de até 25 pontos básicos para prazos de cerca de um ano.

"Há um certo empoçamento da liquidez nos melhores créditos no Brasil", diz Sérgio Zappa, que acaba de ser contratado para dirigir as atividades do banco português Finantia no Brasil (ver matéria na página C3). Segundo ele, há mais demanda por crédito no mundo todo e, por isso, os bancos podem escolher para quem vão emprestar. Tesoureiro do grande banco nacional diz que sua política de gerenciamento de caixa não mudou por causa das turbulências e que o mercado interbancário interno não foi afetado pelo furacão financeiro. De uma forma geral, as maiores instituições financeiras brasileiras estão capitalizadas e com liquidez de sobra, afirma.

É justamente por causa dessa liquidez disponível que os investidores acabaram vendendo posições no Brasil com força na semana passada. Vinham ao país fazer caixa para cobrir posições nos Estados Unidos e Europa em mercados e produtos sem liquidez. Vendiam ativos no Brasil, pois não conseguiam vendê-los em outros mercados de crédito e de derivativos de crédito.

A Bolsa de Mercadorias & Futuros é uma mostra da liquidez disponível nos mercados brasileiros. No dia 16, o olho do furacão financeiro da semana passada, o giro de contratos na BM&F chegou a 3,664 bilhões, mais de 100% acima de média diária de 1,8 bilhão no ano até o dia 16 e próximo do recorde diário de 3,8 bilhões de contratos.

Apesar da trégua na sexta-feira, após a redução na taxa de juros do redesconto do Fed, banco central dos Estados Unidos, em 0,5 ponto percentual, para 5,75% ao ano, os mercados devem continuar turbulentos, segundo os especialistas ouvidos pelo Valor. "Não dá para dizer que as coisas estão normalizando, pois há esqueletos saindo dos armários nos lugares mais inusitados do mundo do crédito", diz Zappa. A atitude do Fed, segundo ele, serviu apenas para mostrar boa disposição aos mercados, mas está longe de resolver a crise de liquidez internacional. A crise é séria - na semana passada, saíram das bolsas de valores internacionais cerca de US$ 19 bilhões, mais do que os US$ 16,5 bilhões que deixaram as ações após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.

Para David Rosenberg, analista da Merrill Lynch, o Fed pode estar oferecendo com mais vigor o redesconto como forma de obter informações sobre quais são os bancos que estão realmente em dificuldades e não conseguem se financiar no interbancário usando as taxas de juros dos chamados fed funds, que ainda estão em 5,25% ao ano.

Rosenberg explica em relatório que o redesconto é muito pouco utilizado nos Estados Unidos por causa do custo punitivo. Em julho inteiro, foram apenas US$ 258 milhões. Na semana terminada no dia 15 de agosto, foram US$ 271 milhões. A taxa de redesconto, usada nos empréstimos diretos com o Fed, ainda está 50 pontos básicos acima da taxa do overnight, nas operações entre bancos. Mesmo nas operações de redesconto de vencimento em 30 dias, que o Fed ofereceu pela primeira vez ao mercado agora, as taxas ainda são 25 pontos acima da Libor, taxa interbancária de Londres.