Título: Segura peão
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2007, EU & Investimentos, p. D1

A forte turbulência dos mercados na semana passada, que provocou grandes perdas em fundos de ações e multimercados, não poupou nem as carteiras de renda fixa. A alta dos juros que acompanhou as incertezas fez os títulos prefixados e papéis indexados à inflação de longo prazo perderem valor. Com isso, os fundos renda fixa tiveram perdas nas cotas no dia 16, quando a média da categoria ficou negativa em 0,14%, conforme dados do site Fortuna. No mesmo dia, as carteiras de ações perderam 6,14% e os multimercados, 0,66 na média. Já no mês de agosto, a perda dos fundos de ações atinge 13,77%, dos multimercados, 1,70%, enquanto os renda fixa conseguem ter mísero ganho de 0,14%.

Os prejuízos do dia 16, quando o Índice Bovespa chegou a cair 9%, aparecem nas cotas publicadas hoje no Valor. No caso dos grandes fundos de renda fixa de varejo, elas estão na média em torno de 0,10% no dia, mas podem chegar a 1,17%, caso da Nossa Caixa.

"Como muita gente, acreditamos que o cenário era de tranqüilidade e que a crise no mercado imobiliário americano não afetaria os ativos", afirma Joaquim Elói Cirne de Toledo, diretor de Gestão de Recursos da Nossa Caixa. Ele lembra que o fundo Nossa Caixa RF, apesar da perda de 1,17% na quinta-feira e de 1,74% no mês, ainda acumula retorno de 91,4% do CDI em 12 meses, um retorno muito bom para uma carteira de varejo que aceita aplicações de R$ 100,00. Ele diz também que o fundo já recuperou um pouco das perdas uma vez que o juro caiu na sexta. A taxa futura para janeiro de 2010, que bateu 12,52% na quinta, sexta recuou para 12%. "E quem sacar perde essa recuperação", diz. O fundo tinha uma parcela de papéis longos indexados à inflação, as NTN-Bs, que acumulam perdas de até 15% em 30 dias naqueles com vencimento em 2024, por conta da turbulência. E tinha também papéis prefixados, como as LTNs, que perdem quase 3% no caso do papel para outubro de 2009.

Os fundos de renda fixa têm natureza conservadora, mas dada a magnitude do impacto da crise no mercado, também sofreram, explica Robert John van Dijk, responsável pela Bradesco Asset Management (BRAM). "Por isso, é importante ver não apenas o dia, mas o desempenho do fundo por um período mais longo", lembra ele. O fundo de varejo Bradesco Renda Fixa Vênus, por exemplo, perdeu 0,07% no dia 16, mas acumula ainda 5,15% no ano, "um retorno bom para esse tipo de fundo", afirma van Dijk, acrescentando que praticamente todos os fundos de renda fixa foram afetados, recuperando uma parte das perdas na sexta-feira. O executivo diz que a visão é de que os fundamentos econômicos ainda a favor de uma redução da taxa de juros brasileiros, o que significa que um papel que pague 12% ao ano embute um prêmio importante, favoreceria essas carteiras no futuro. "Mas em toda crise temos de analisar com cuidado as opções, não sabemos em que dimensão isso vai afetar a economia, por isso, o ideal é procurar tomar decisões com bastante cautela."

O recado do Itaú para os investidores é que o cenário continua benigno e essas perdas pontuais podem ser recuperadas no médio prazo, diz Moacyr Castanho, diretor de fundos de investimento do banco. No dia 16, o fundo Itaú RF, o de menor aplicação mínima, perdeu 0,11%, reduzindo o ganho no ano para 4,71%. O Itaú Personnalité RF perdeu 0,17%, baixando o ganho no ano para 5,38%. "A expectativa de redução dos juros continua, assim como a de crescimento econômico e de empresas aumentando lucros", diz Castanho. Ele nota uma mudança no comportamento do investidor na semana passada, que no Itaú está agora reduzindo as aplicações em fundos de ações e multimercados e aumentando nos fundos DI e curto prazo, carteiras mais conservadoras. "O investidor está saindo do risco e há maior procura por informações, sobre como estamos vendo a turbulência", diz.

Se o investidor olhar apenas as cotas dos fundos de renda fixa do dia 16, vai se assustar, mas, olhando um horizonte mais longo, ele perceberá que esta foi uma situação muito rara, afirma Marcelo Giufrida, vice-presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). "Olhando o primeiro semestre como um todo, muitos fundos de renda fixa rendem até mais que os multimercados e, em 12 meses, a categoria está acima do CDI, o que mostra um desempenho muito bom, beneficiados pela tendência de queda dos juros", explica. Isso justifica a captação que a categoria tem este ano, de R$ 17 bilhões, mesmo depois da perda de R$ 3,8 bilhões deste mês até dia 15.

Giufrida vai mais longe e lembra que os fundos de renda fixa nos últimos três anos ganharam do CDI na média geral do mercado, graças à redução das taxas de administração, que caíram com o lançamento de carteiras para investidores de varejo de maior renda e aumento da concorrência entre os gestores. "A qualidade da gestão melhorou e, apesar da perda que ocorreu neste momento, ela não foi nada fora do contexto tendo em vista o ganho que ele vinha obtendo", diz.

Para ele, a marcação a mercado, tornada obrigatória em 2002, ajuda a proteger o investidor nestes momentos, pois revela de imediato as perdas e evita que aplicadores mais espertos saiam do fundo e deixem o prejuízo para os demais que ficam. "Mas é claro que no dia o número do ajuste do preço assusta", diz. Ele lembra que a cota do dia 16 também não acompanhou a melhora dos mercados, que ocorreu depois do fechamento do pregão e que deve aparecer somente na cota do dia 17.

Ironicamente, diz Giufrida, a queda dos fundos de ações até assusta menos o investidor do que a dos renda fixa e multimercados, uma vez que quem entra numa carteira que aplica em bolsa se prepara mais para as perdas. Mas, apesar do impacto nas carteiras mais agressivas de multimercados, de 10% ou até de 20% em alguns casos, no acumulado a maioria segue positiva. "Temos de olhar isso no contexto de uma alta que já vinha há cinco anos", diz ele, acrescentando que, apesar do susto, os prejuízos ainda não ultrapassaram outros episódios como os de 2004, 2005 e 2006. "E as perdas ficaram dentro do previsto pelos produtos", explica.

Nos multimercados mais agressivos, chama a atenção o Opportunity Midi 90, que só no dia 16 teve perda de 9%. No mês, a queda do fundo ultra-agressivo atinge 27,59%. Mas, no ano, ainda acumula ganho de 12,28%, bem acima do CDI de 7,59%. Outros dois fundos agressivos tiveram perdas da ordem de 10%, mas o patrimônio dessas carteiras é pequeno, da ordem de R$ 10 milhões, segundo o Fortuna.