Título: Saldo da chuva: 13 mortos
Autor: Campbell, Ullisses
Fonte: Correio Braziliense, 12/01/2011, Brasil, p. 9

Em uma das piores tempestades dos últimos anos, estado sofre com deslizamentos de terra e capital tem mais de 100 ruas alagadas. Em uma delas, a conhecida Avenida 9 de Julho, a correnteza foi tão forte que um adolescente morreu afogado

São Paulo ¿ Um temporal de oito horas de duração provocou deslizamento de terra em quatro municípios paulistas, alagou mais de 120 ruas da capital e matou 13 pessoas, deixando 15 feridos e três desaparecidos. Apesar de serem comuns nessa época do ano, os temporais que castigam a maior cidade do país espalha cada vez mais medo e deixa um rastro de destruição, além de instalar o caos no trânsito da cidade, que já é complicado o ano inteiro.

O temporal começou por volta das 22h e se estendeu por toda a madrugada. O município de São José dos Campos foi o mais afetado pelo temporal. Até as 18h de ontem, a Defesa Civil havia contabilizado cinco mortes provocadas por soterramento. Duas residências localizadas numa encosta no bairro de Rio Comprido foram destruídas por um deslizamento de terra matando três pessoas da mesma família. Uma mulher chegou a ser retirada com vida dos escombros de outra casa. ¿Não sabemos mais o que fazer. As pessoas insistem em ficar nas áreas de risco. Por um lado, coitadas, elas não têm para onde ir e acabam pagando com a própria vida essa falta de oportunidade¿, lamenta Suzana Formiga, voluntária da Defesa Civil.

Panelas caindo

A aposentada Regina Cruz Vilela, 59 anos, vive de uma pensão mensal de R$ 680. Esse dinheiro sustenta três filhas e seis netos, que dividem uma casa de dois cômodos no município de Mauá, Região do ABC. Ontem, funcionários da Defesa Civil interditaram a casa de dona Regina e mais seis localizadas na vizinhança ¿ todas estavam em áreas de risco. ¿Não vou sair daqui por dois motivos. Não temos para onde ir e porque é só fechar a casa que os vizinhos saqueiam tudo que tem aqui dentro¿, relatou Regina. A cidade de Mauá foi a segunda mais atingida pela forte chuva de ontem. Pelo menos dois homens e um adolescente de 16 anos morreram soterrados. No Jardim Zaíra, um dos bairros mais pobres da região, uma casa desabou sobre a outra matando três pessoas. Os vizinhos que testemunharam a tragédia estão assustados. ¿Parece filme de catástrofe. A gente ouve a chuva forte caindo com violência no telhado. Em seguida, a gente ouve estalos de paredes rachando e panelas caindo pelo chão. Depois, há gritos e um estrondo que só se ouve no cinema, quando tem destruição¿, contou o vigilante Ângelo Damasceno, 44 anos, vizinho das casas destruídas.

Na capital, foram três mortes. Uma delas ocorreu num lugar inusitado: a Avenida 9 de Julho, uma das mais importantes de São Paulo, virou um rio com correntezas intensas em vários pontos ¿ em alguns a água subiu a mais de 1m. Quem se atrevia a atravessar, era arrastado. Motoristas abandonaram os carros com receio de serem levados pelas águas. Um jovem resolveu atravessar e foi arrastado por dois quilômetros. Acabou morrendo afogado no trecho central da avenida, próximo ao túnel do Anhangabaú.

¿Excepcional¿

Segundo o prefeito Gilberto Kassab (DEM), ¿São Paulo está preparada para enfrentar os efeitos da chuva¿. ¿Cerca de 1.500 pessoas trabalharam durante toda a madrugada para amenizar os efeitos das enchentes¿, ressaltou. Ele citou que obras municipais feitas no passado evitaram enchentes que poderiam ser provocadas pela cheia dos rios Pirajussara e Aricanduva, que alagam a região do Jardim Pantanal. No entanto, a área continua sob a água. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) se reuniu com Kassab assim que soube da tragédia e também responsabilizou o excesso de água. ¿A chuva de ontem foi excepcional¿, disse. A prefeitura e o governo anunciaram que vão investir R$ 800 milhões em obras para conter os efeitos das chuvas. Somado aos investimentos já existentes, o valor sobe para R$ 1 bilhão.

Alckmin anunciou obras de médio prazo para conter as enchentes, como o desassoreamento da calha do Rio Tietê. Segundo o governador, a obra deve retirar 2,1 milhões de metros cúbicos de resíduos do rio ainda este ano. A meta anterior era de 1 milhão de metros cúbicos. Alckmin também autorizou, em caráter de emergência, a abertura de uma licitação para desassorear o Rio Pinheiros e, com isso, retirar 1,5 milhão de metros cúbicos de resíduos e a conclusão do trecho entre a barragem da Penha e o córrego Três Pontes para extrair mais 580 mil metros cúbicos.

Problema na prevenção

Especialistas em urbanização apontam como causa das enchentes e dos deslizamentos de terra em São Paulo a má gestão pública, e não a natureza, como afirmaram o prefeito Gilberto Kassab e o governador Geraldo Alckmin. ¿A cidade é castigada hoje pelo o que não foi feito no passado. A ocupação urbana desordenada, por exemplo, invadiu várzeas de rios importantes, como o Tietê e o Pinheiros, que cortam a cidade ao meio. Sem ter para onde escorrer, a água invade ruas¿, explica o geólogo Bernardino Palha, da Universidade de Campinas (Unicamp).

Para o urbanista Cássio Fogaça, não é possível apontar um único motivo para o caos em que a cidade se transforma a cada vez que chove, mas ele também atribui boa parte da responsabilidade aos governantes e à população, que não é educada quando se trata de despejo de lixo. ¿As ruas de São Paulo alagam porque a água não tem para onde escorrer, já que os rios estão assoreados. O ideal seria que o solo absorvesse parte dessa água pluvial, mas a cidade é toda `cimentada¿ por calçadas e asfalto¿, critica.

Fogaça também aponta que as bocas de lobo entopem com os sacos de lixo que a população deixa pelas calçadas. Um estudo em poder da prefeitura, que é usado para traçar ações que amenizem os danos provocados pelas chuvas, mostra que São Paulo se localiza em uma região montanhosa, cheia de nascentes, córregos e rios. Antes das construções, os rios da cidade subiam, mas a água tinha por onde se espalhar. Ela inundava as várzeas e era absorvida aos poucos pela vegetação. Com o solo impermeabilizado, a água corre por ruas e avenidas. Como não houve planejamento na hora de construir a cidade, dificilmente hoje os paulistanos vão se livrar dos alagamentos. ¿A cidade teria que ser reconstruída¿, diz Fogaça. (UC)