Título: O fim da utopia petista na Embrapa
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2005, Política, p. A6

O pesquisador Clayton Campanhola foi demitido do comando da Embrapa porque estava atendendo a uma demanda do governo do PT. A missão: fazer com que a estatal, uma empresa de tecnologia de ponta, atendesse a todos os grupos sociais. Campanhola, que nunca foi filiado ao PT e chegou àquele cargo indicado por José Graziano, assessor especial de Lula e especialista em economia agrícola, encarou a tarefa como um desafio. Tratava-se, evidentemente, de uma utopia. Mas, como perseguir utopias não é nenhum demérito, especialmente, num governo de esquerda liderado por um ex-operário, o pesquisador, com 20 anos de casa, achou que valia a pena tentar. Tão logo Campanhola esboçou as primeiras ações em direção à utopia petista, começou a ser bombardeado pela turma do agronegócio, que viu nele uma ameaça à pesquisa direcionada ao desenvolvimento da agricultura rentável no Brasil. Tendo sido carimbado com a pecha de "amigo" da agricultura familiar e do MST, ambos "adversários" do bem-sucedido agronegócio nacional, Campanhola nunca mais se livrou dela. Curiosamente, para evitar que se desviasse um centavo sequer das pesquisas em andamento na Embrapa, Campanhola foi buscar em outras áreas recursos para as novas finalidades da empresa. E que finalidades eram essas? Auxiliar o desenvolvimento técnico da agricultura familiar, programa que é a menina dos olhos do presidente Lula e para o qual ele destinou mais de R$ 5 bilhões em 2004, e dar assistência aos assentamentos de famílias beneficiadas pela reforma agrária. O dinheiro para cumprir esses objetivos veio, principalmente, dos novos parceiros da Embrapa - os Ministérios da Ciência e Tecnologia, do Desenvolvimento Social e da Reforma Agrária. Do Fome Zero, programa social que ainda hoje enche os olhos de Lula e com o qual a Embrapa fez um convênio, a estatal recebeu R$ 13 milhões no biênio 2003-2004 e receberá mais R$ 12 milhões neste e no próximo ano. Se depender dos agronegociantes, Campanhola e sua diretoria jamais serão lembrados pelas realizações que, nos últimos dois anos, nada tiveram a ver com agricultura familiar e reforma agrária. Alguns exemplos: o início de pesquisas na Amazônia; o genoma do café; o fechamento de 42 acordos de cooperação internacional; a criação do Labex, um laboratório virtual que põe pesquisadores brasileiros de pesquisa agrícola no exterior; a realização anual de audiências públicas, com a participação da sociedade civil, nos 37 centros de pesquisa da Embrapa. Numa operação silenciosa, Campanhola conseguiu colocar na LDO dispositivo que, em 2005, impede o contingenciamento dos recursos da Embrapa. A diretoria da estatal foi vítima do governo de coalizão que Lula pretende ter na segunda metade de seu mandato. A demissão foi repudiada por 44 entidades que integram o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo. Quando demitiu Campanhola, o governo do PT se afastou mais um pouco da sua utopia.