Título: Turbulências preocupantes nas fronteiras brasileiras
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2005, Opinião, p. A8

O potencial de conflitos entre os países vizinhos do Brasil tem crescido na mesma proporção em que os pilares da democracia estão sendo erodidos por manobras legais de governos populistas, de marcado caráter autoritário. Nesse figurino cabem Hugo Chávez, presidente da Venezuela, e outro ex-militar golpista, Lucio Gutiérrez. No rol dos governantes frágeis está o presidente Alejandro Toledo, o mais impopular em muito tempo a governar o Peru, hoje envolto em denúncias de corrupção eleitoral. O estopim da atual confusão, porém, vem do governo direitista, que goza de razoável apoio, de Alvaro Uribe, que levou a sua batalha contra as FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) para dentro do território venezuelano. Essa é apenas uma amostra dos imbroglios que estão por vir. A animosidade entre Colômbia e Venezuela, dessa vez, foi motivada menos pela retórica belicosa de Chávez, mas por uma ação de mercenários pagos pelo governo de Uribe, que prenderam Rodrigo Granda, um dos líderes das FARCs , que há dois anos residia no país, e o levaram de volta à Colômbia. Chávez chamou de volta seu embaixador, congelou as relações diplomáticas e comerciais e exigiu de Uribe um claro pedido de desculpas. Escudado pelos EUA, que lhe financia a luta contra o narcotráfico, Uribe respondeu com acusações de que Chávez dá guarida aos terroristas que operam na Colômbia, e que estariam usando território venezuelano como base de operações. Chávez diz que não aceita transigir no que qualificou de "violação da soberania", mas Uribe alega que havia ordem de prisão da Interpol contra o líder das FARCs , o que legitimaria a operação. O governo americano, por seu lado, viu uma brecha para atacar Chávez, a quem a nova secretária de Estado, Condoleezza Rice, classificou de "força negativa" no continente. Em circular a seus embaixadores latino-americanos, os EUA orientam a que se faça pressão para que o governo da Venezuela cesse suas relações com organizações terroristas. Os EUA foram o único país de peso a reconhecer o governo saído de um golpe de Estado contra Chávez, que durou apenas algumas horas. Se o conflito atual pode se esvaziar pelo cansaço, a semente de novas escaramuças está plantada no governo Chávez, que tem pretensões messiânicas e continentais para sua "revolução bolivariana". Com ampla maioria no Congresso, ele submeteu a Justiça a seus desejos, ao dobrar o número dos membros de sua instância máxima com indicações suas, e, com o apoio da maioria dos deputados, passou uma legislação que, levada ao pé da letra, proíbe o exercício da crítica contra seu governo. Recentemente, deu início, com estardalhaço, a um programa de reforma agrária ao invadir terras do grupo inglês Vestey, tradicionalmente ligado à pecuária. O Estado, porém, é o maior dono de terras no país. Chávez emulou seu colega militar equatoriano, Lucio Gutiérrez, a usar todas as chances para reduzir o jogo democrático. Gutiérrez, depois de trocar 27 dos 31 juízes da Suprema Corte, prepara-se para uma cartada decisiva, que pode pôr abaixo a combalida democracia local. Gutiérrez quer um plebiscito que reduza os poderes do Congresso, retire dele o poder de indicar juízes eleitorais e da Suprema Corte e dê prioridade ao exame dos projetos do Executivo. Prova de que leva longe suas ambições, Gutiérrez quer ter o direito de se reeleger e, também, o de remover o vice-presidente a seu bel prazer. O país tem disputas históricas de fronteiras com o Peru, com os quais trava esporádicas escaramuças armadas. O problema de seu vizinho, o Peru, é que o governo de Alejandro Toledo há tempos agoniza à luz do dia. Com pouco mais de 5% de apoio, Toledo viu sete de seus ministros renunciarem por denúncias de tráfico de influência. A polícia indica agora que houve sinais de falsificação em 78% das 520 mil assinaturas que possibilitaram a homologação do partido pelo qual Toledo venceu as eleições. Seu mandato termina em julho de 2006, mas é certo que precisará de boa dose de sorte para chegar até lá. Na Bolívia, Carlos Mesa enfrenta ondas de descontentamento à esquerda, capitaneadas pelo líder cocalero Evo Morales, e, agora, ameaças de secessão de Santa Cruz de la Sierra, a província mais rica de um país miserável. O potencial para apelos nacionalistas contra o "inimigo externo", de governos de bases frágeis, é enorme, o que coloca desafios complexos para a mediação natural da diplomacia brasileira. Ela tem um papel importante na defesa da democracia na região e um perigo a evitar, o de alinhamentos automáticos guiados por remotas afinidades ideológicas.