Título: Implementação de políticas econômicas e o tempo
Autor: Fernando Blumenschein
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2005, Opinião, p. A9

A implantação de uma medida de política econômica específica traz custos e benefícios líquidos para a sociedade, mas sua distribuição no tempo, na quase totalidade das vezes, não é contemporânea. Por suas características próprias, os efeitos de determinada medida de política econômica não se esgotam no ato da implantação. Muito pelo contrário, os efeitos se distribuem no tempo, sendo seus impactos mais demorados quanto mais diluídas intertemporalmente forem as mudanças que acarretam nos modelos mentais dos agentes econômicos envolvidos. Existe um conhecimento consolidado sobre os canais de transmissão de alguns instrumentos de política, de forma que a causalidade e sua distribuição no tempo são mais entendidas hoje. O caso mais conhecido é a política monetária. Mudanças nas taxas de juros têm pouco ou nenhum efeito sobre os preços no curtíssimo prazo, sendo que as totalidades dos impactos podem durar por até um ano ou mais. Os estudos de casos internacionais das reformas da previdência, por exemplo, têm mostrado que os efeitos sobre o crescimento econômico somente aparecem depois de alguns anos. O exemplo mais conhecido para a história econômica brasileira foi o modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações, que prevaleceu após a Segunda Guerra. Esse modelo contemplou, por longos períodos, o emprego de incentivos fiscais e creditícios, conjuntamente com medidas de proteção tarifária e não-tarifária para diversos setores industriais. Os benefícios da industrialização acelerada e do crescimento até o final da década de 70 tiveram custos, que se estenderam para as décadas seguintes. As ineficiências microeconômicas, a perda de dinamismo para inovação, engendradas por aquelas políticas de incentivos, aliadas aos desequilíbrios orçamentários, o crescimento do endividamento público e suas formas de financiamento, explicam boa parte do desempenho das décadas perdidas que sucederam o esgotamento do modelo de substituição de importações. Explicar a débâcle do crescimento econômico dos anos 80 e 90 sem olhar para os excessos de proteção concedidos para os setores mais dinâmicos no passado, é esquecer o fenômeno elementar da distribuição intertemporal que permeia, em maior ou menor grau, a implementação de medidas de política econômica e das reformas microeconômicas. Alguns exemplos contemporâneos desse fenômeno são clássicos para a economia brasileira. Um deles é o caso do desempenho das exportações nos últimos dois anos. Dois fatores foram essenciais para esse desempenho, sendo que nenhum deles foi de implantação recente. Os ganhos de produtividade, advindos das reformas e da abertura da economia que ocorreram no Brasil na década de 90, e a introdução do câmbio flexível, em 1999, foram cruciais para a o crescimento das exportações nos últimos anos. Não deve ser esquecido que essas políticas tiveram custos, de diversas formas, na sua implantação, mas apenas os benefícios parecem ser lembrados hoje. Outro exemplo emblemático diz respeito à implementação de orçamentos públicos equilibrados. Nesse sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a noção de equilíbrio orçamentário nos diversos níveis do setor público foram conquistas que se efetivaram apenas após o Plano Real. Os superávits primários, e seus efeitos em termos de estabilidade macroeconômica, são benefício que estão sendo usufruídos hoje, mas cujos custos se estenderam por anos de debates difíceis, mudança de mentalidade lenta e implementação de reformas politicamente onerosas.

A distribuição no tempo dos custos e benefícios de medidas econômicas pode gerar culpados e virtuosos falsos

Vários mecanismos contribuem para que haja essa discrepância no tempo entre custos e benefícios de políticas. A obsolescência institucional interna, as mudanças na conjuntura econômica internacional, a evolução dos países competidores e pressões sociais e políticas são os principais mecanismos responsáveis pelas diferenças no tempo de aparecimento dos custos das políticas econômicas. Pelo lado dos benefícios, esses são retardados por questões ligadas, essencialmente, às reações dos agentes econômicos frentes às mudanças nos marcos institucionais. Como exemplo, pode ser citado o caso da mudança no regime cambial em janeiro de 1999. As expectativas de não permanência do sistema de câmbio flexível, assim como as incertezas referentes ao comportamento das cotações sob o novo regime, foram se dissipando ao longo do tempo, dando lugar a uma certeza maior dos novos preços relativos, o que, por sua vez, gerou novos investimentos e outras decisões estratégicas dos exportadores. A duração da mudança de expectativas é que retardou o aparecimento dos benefícios. Pelas razões expostas acima, é difícil atribuir a performance de crescimento da economia brasileira em 2004 a uma política específica que tenha sido adotada no ano. O crescimento sustentado de longo prazo, mais do que qualquer outra componente do desempenho da economia, depende intertemporalmente de um conjunto de medidas de política econômica, tanto no que se refere ao arcabouço macroeconômico, representado pelas políticas monetária, fiscal e cambial, como da estrutura microeconômica, constituída pelas reformas implementadas para diminuir ou superar ineficiências setoriais. Além disso, o crescimento econômico, pela sua relação estreita com a variável investimento, depende também da estabilidade política e da garantia de cumprimento de contratos. Por isso, a performance de crescimento que se apresentou em 2004, esteve relacionada, no lado interno, mais fortemente com a manutenção do arcabouço macroeconômico implantado no passado e com a dissipação das expectativas relacionadas com os riscos políticos. Essa distribuição assimétrica ao longo do tempo dos custos e benefícios da implantação de medidas de política econômica e de um conjunto de reformas estruturais pode gerar culpados e virtuosos falsos. Os grandes desafios da política econômica e das reformas estão na sua concepção e implantação. Isso requer conhecimento, arte e vontade política. Aos formuladores e implementadores que correm riscos nessas empreitadas devem ser creditados os louros pelo sucesso ou as culpas pelo fracasso. Na maioria das vezes, os custos de implantação estão no passado, esquecidos, enquanto que os benefícios do presente podem gerar avidez e confundir a opinião pública.