Título: Governador quer isonomia em relação à dívida de São Paulo
Autor: Paulo Emílio
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2005, Especial, p. A10

A falta de uma política de desenvolvimento regional é um dos principais alvos da crítica do governador do Ceará, Lúcio Alcântara (PSDB) ao governo Luiz Inácio Lula da Silva. Ele credita a essa "falha" a enorme desigualdade social no país e diz que solucioná-la implica em, mais do que levar adiante programas de combate à fome e à pobreza no Nordeste, atrair grandes investimentos para a região. O governador, entretanto, reconhece que este não é um fato novo. Diz que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de seu partido, também pecou em sua administração ao não dar atenção a este problema. Alcântara diz manter um bom relacionamento administrativo com o PT. Apesar disto, critica a atual política tributária. Em coro com o colega de São Paulo, o também tucano Geraldo Alckmin, diz que é necessário rever o IGP-DI como indexador das dívidas estaduais e municipais. Mas avisa que cobrará isonomia em relação a um eventual privilégio da prefeitura e do governo de São Paulo no reescalonamento da dívida. Ele também cobra do governo federal mudanças imediatas na Lei Kandir, como forma de compensar os prejuízos acumulados pelos Estados em função da sistemática atualmente em uso. Apesar das críticas, o governador diz que o seu partido - agora na oposição - não vai repetir os mesmos erros de quando o PT estava nesta situação: "Vamos fazer oposição nos pontos que realmente são necessários". Sobre sucessão presidencial, Alcântara avalia que o nome com mais chances no PSDB é o de Alckmin. Mas não descarta as chances do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e do senador Tasso Jereissati, um dos principais expoentes do Ceará na política nacional. Só alerta que o escolhido tem que ser uma unanimidade. A seguir, os principais pontos da entrevista concedida pelo governador ao Valor: Valor: Muitos Estados, principalmente São Paulo, vêm questionando alguns pontos ligados às suas dívidas. O governador paulista, Geraldo Alckmin, já afirmou ser favorável a uma revisão do indexador utilizado atualmente. Como o sr. avalia esta situação? Alcântara: Acho que o Alckmin está certo. O IGP-DI está muito vinculado ao dólar. Sou favorável a uma mudança. Um dia está melhor e no outro dia está pior. A longo e médio prazo tudo termina mais ou menos igual. Mas os Estados sofreram muito com este IGP-DI. Acho uma reivindicação justa. Mas não estou sentindo nenhuma disposição da Fazenda em mexer em nada disso. Fizemos uma primeira - que foi rejeitada - de suspender o pagamento por um tempo, pagar somente os juros e jogar o principal lá para a frente. O governo federal reconheceu que tínhamos razão, mas argumentou que não poderia mexer nisso, caso contrário, os outros Estados iriam reivindicar o mesmo tratamento. Além disso, haveria uma sinalização para fora de que nós não queríamos pagar. Eles nos convenceram que tínhamos capacidade de endividamento e uma excelente relação com o Banco Mundial, o que nos permitiria pedir um empréstimo. Se o banco aceitasse, eles concordariam em dar o aval. Fomos a campo e conseguimos. Com isso, o governo federal ficou à vontade para dizer aos outros Estados que não podia fazer nada. Valor: A busca do equacionamento das dívidas e receitas estaduais e a conseqüente capacidade de captar novos investimentos tem sido uma dificuldade para todos os Estados... Alcântara: Nos tempos da inflação, os governadores seguravam o caixa um pouco e a inflação resolvia o resto. Deixava-se de pagar fornecedor, não se reajustava salário e o banco oficial, que era do Estado, dava um vale. Hoje não temos mais inflação e nem banco oficial. Na década de 90, alguns Estados venderam ativos. O Jarbas (Jarbas Vasconcelos, PMDB, governador de Pernambuco) vendeu a Celpe (Companhia de Eletricidade de Pernambuco) em 2000; aqui, o Tasso Jereissati vendeu a Coelce (Companhia Energética do Ceará) em 1998 e assim por diante. No caso do Ceará tudo foi muito bem aplicado, corretamente aplicado. Eu teria feito a mesma coisa. Isso não é uma crítica. Mas acabou. Eu tenho que viver agora é da minha receita. Valor: Mas as receitas não caíram nestes últimos anos? Alcântara: As transferências da União caíram muito. Tanto as transferências voluntárias como o próprio fundo de participação. Cresceu muito a receita não compartilhada. Então os Estados ficam apertados. Valor: E quanto às receitas próprias? O ICMS por exemplo.

Quero ver como eles vão resolver a situação das dívidas de SP. Se qualquer Estado deixar de pagar tem tudo confiscado "

Alcântara: O Ceará tem conseguido captar cargas de outros Estados. Em 2004, cargas de fora do Estado foram responsáveis por 65% da movimentação portuária de Pecém com destino ao mercado internacional. Valor: Com a atual situação criada pela Lei Kandir, onde os Estados exportadores acabam sendo penalizados, como fica o Ceará? Alcântara: Vou te dar um exemplo: o Requião (Roberto Requião, PMDB, governador do Paraná) disse que se chegar um grande exportador em seu gabinete querendo colocar uma empresa ali ele manda procurar outro Estado. É evidente que isso é um exagero porque gera emprego e tal. No nosso caso estamos tentando lidar com isso dialogando, paga-se um pouco, dá-se prioridade para quem vai reinvestir, para quem compra mais aqui. Mas é uma coisa muito desconfortável porque o empresário quando faz o preço já está contando com aquilo, já está dentro da margem dele. Mas e aí? Como é que eu vou pagar pessoal, investir em saúde, educação, infra-estrutura? O Rio Grande do Sul fez um decreto e o Rio de Janeiro fez uma lei. No nosso caso estamos na base da conversa. Tem que haver mudança. Isso é insustentável. A lei fala em compensação, mas, em média, só 17% foram repassados aos Estados. Então fica um passivo. Não é questão de não querer pagar. Nós não temos como. Valor: Muitos Estados alegam que têm sido penalizados no tratamento dispensado pelo governo federal. O sr. avalia que tem havido algum tipo de privilégio ou discriminação? Alcântara: Não que eu tenha detectado. Claro que o sujeito que é do PT tem mais amizade, mais ligação. Mas dizer que há discriminação, acho que não. Existem dificuldades nas relações com a área econômica, por exemplo. Não é o meu caso. Acho até que temos chegado a boas conclusões por lá. Mas o governo tem um sistema de trabalhar diferente no processo decisório. O PT chegou ao governo e teve que conhecer e aprender. Nunca tinha sido governo em nível federal. Muitas pessoas estão ocupando cargos deste nível pela primeira vez. Valor: O sr. acredita que hoje existe uma política de desenvolvimento regional? Alcântara: Não. O governo Lula peca do mesmo jeito que pecou o de Fernando Henrique. E é uma falha muito séria. Existe uma desigualdade enorme. Pode-se dizer que quando se faz um programa de combate à pobreza está se privilegiando o Nordeste, porque é o maior bolsão de pobreza. Mas eu falo é de política de desenvolvimento mesmo. Sediar aqui grandes investimentos. Valor: Não faltam ações conjuntas entre os vários governadores da região? Alcântara: Tivemos uma ação conjunta que foi bem sucedida na área de educação. Conseguimos fazer uma reunião a qual compareceram quase todos os governadores do Nordeste e o do Pará, em função de uma pressão tremenda que tínhamos no ensino médio, pois não existe fonte de financiamento a não ser o Tesouro dos Estados. Fizemos alguma coisa mas não avançamos. O próprio presidente Lula começou seu governo fazendo algumas reuniões com os governadores mas depois o diálogo ficou meio truncado. Valor: E quanto à Sudene? Alcântara: Conversei com o José Dirceu e o Aldo Rebelo, falei com o ministro Palocci, que vamos tocar a reforma para a frente, agora, definindo bem o fundo de desenvolvimento regional, o valor, a forma, a continuação no futuro. Se for para dividir e levar isto para a Sudene eu estou fora e os outros governadores do Nordeste também. Quem está criando mais problema é o Centro-Oeste, que quer que o projeto fique do jeito que está. Se for para dividir o fundo com a Sudene como o governo federal propõe não vai dar. Hoje o fundo de participação ainda tem uma importância muito grande para os Estados. Esta participação chega a 37%, cerca de R$ 1,8 bilhão. E outra coisa: os Estados vão abrir mão de legislar sobre o ICMS, pois o imposto será federalizado, como forma de evitar a guerra fiscal. Ainda há pouco recebi um empresário do ramo de cervejaria que a primeira conversa foi querer saber qual era o incentivo. Temos que ter este fundo pelo menos para fazer estradas, saneamento, energia, coisas que criam o ambiente para atrair o empreendimento. Valor: Como está situação atual do Estado? O Ceará vem investindo alto em novos modelos de gestão ... Lúcio Alcântara: Estamos promovendo uma reajuste na própria carne. As últimas administrações já haviam promovido uma série de ajustes fiscais e cortado a gordura existente. Agora estamos tendo que rearrumar a casa novamente, nos organizar. Tivemos que tomar uma série de medidas internas pelo lado da receita, pelo lado da despesa. Fizemos mais um ajuste com redução de contas telefônicas, maior controle das despesas e negociações com o governo federal. São negociações difíceis, duras e que levam tempo. Mas estamos nos acertando. Uma das coisas que fizemos foi uma operação inédita com o Banco Mundial que vai permitir que o Estado receba US$ 240 milhões que são desembolsados à medida que o Estado cumpre determinadas metas. A primeira liberação é de US$ 50 milhões e o restante é vinculado ao cumprimento de metas na Saúde, Educação, Gestão e assim por diante. Isso vai nos dar um fôlego para alongar a nossa dívida.

O Alckmin tem muitas chances de ser o candidato do PSDB à Presidência. Resta saber se ele quer"

Valor: E a dívida cearense? Alcântara: Hoje existe uma concentração de pagamentos. Isso fez com que, de uma dívida rolada em 20 anos junto a União, nós pagássemos 50% em oito anos. Então este acordo com o Banco Mundial nos dá uma folga para continuar investindo. Temos também uma boa carteira de empréstimos ainda em andamento para obras hídricas, educação e combate à pobreza rural. E negociamos no ajuste fiscal do Estado outros empréstimos, alguns já foram liberados e outros em vias de liberação pela Secretaria do Tesouro Nacional. Com isso conseguimos manter um certo volume de investimentos, obviamente estabelecendo prioridades, mas sempre com a preocupação de melhorar a gestão. Quando o Tasso Jereissati assumiu o governo em 1986, ele promoveu um grande ajuste fiscal, inclusive perdeu a maioria na Assembléia porque foi uma mudança radical. Agora estamos fazendo um outro ajuste fiscal, sendo que este é na sintonia fina. O Ceará tem uma dívida fundada com bancos e a União de R$ 4,7 bilhões, ou seja, cerca de 1,02% da nossa capacidade de endividamento. São Paulo tem dois vírgula não sei quanto. Eu quero ver como é que eles vão resolver agora em abril a situação da prefeitura e do Estado de São Paulo. Se o Ceará ou qualquer outro Estado deixar de pagar tem tudo confiscado. A dívida de São Paulo é fundada. Se houver um reescalonamento para que eu vou pagar juros ao banco? Vamos pagar com recursos do próprio Tesouro. Valor: Como fica a posição do PSDB com o candidato oficial do PT à presidência da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh? Alcântara: Coloquei para ele que a proporcionalidade é um critério justo. Ele tem todas as condições de ser o presidente da Câmara. Disse que ele teria o meu e apoio e ajuda, a menos que o PSDB tomasse uma posição contrária. Valor: O PSDB tem feito oposição fechada ao governo federal. Isso não representa um certo antagonismo? Alcântara: Esta foi a situação em que o eleitorado colocou o PSDB. Isso não significa dizer que nós vamos cometer os mesmos erros do PT. Até porque eu acho que no dia em que o PT voltar a ser oposição, ele não irá repetir o mesmo comportamento do passado. Espero que o partido tenha aprendido, esteja aprendendo alguma coisa. Então vamos fazer oposição nos pontos que acharmos realmente necessários. Agora, nossa convivência com o governo federal é boa, tem diálogo. Valor: E quanto ao PSDB? Qual o cenário dentro do partido em relação a 2006? Alcântara: Acho que não teremos problemas. Temos três candidatos, em princípio: o Alckmin, o Aécio (Neves, governador de Minas) e o Tasso (senador Tasso Jereissati). Mas, acredito que o Aécio vai caminhar para uma reeleição. Agora, o importante é estarmos unidos. E qualquer que seja o escolhido - acho que o Fernando Henrique Cardoso tem razão - tem que ser nacionalizado. Os que quiserem ser candidatos têm que se tornar nomes nacionais, com teses nacionais. Valor: Em sua avaliação, qual dos nomes hoje colocados teria mais chances? Alcântara: Pela posição em que se encontra, até pela popularidade que tem no Estado, e por ser o maior Estado, com o maior contingente eleitoral, o Alckmin tem muitas chances. Resta saber se ele quer, se está disposto. A partir daí é montar uma estratégia. Valor: Na última campanha presidencial teve aquela situação do Tasso disputar espaço com o José Serra... Alcântara: Acho que isto não se repete. Espero que o PSDB tenha aprendido a lição. O processo tem que ser mais aberto, mais democrático. No caso do Tasso, ele é listado naturalmente, ele nunca colocou isso nem como pretensão. Até porque ele tem uma tese, com a qual eu concordo plenamente, de que estes cargos majoritários não devem ser perseguidos. Claro que se o sujeito quer uma coisa deve ter uma estratégia, uma determinação, mas não uma obsessão. Existem dois episódios que provam essa tese: o do Leonel Brizola e o do Ulysses Guimarães. Eles perseguiram tanto a Presidência, que não chegaram lá. Já o Fernando Henrique, que havia sido o candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo e que dificilmente se reelegeria senador, chegou à Presidência. Agora o sujeito não pode ficar de braços cruzados achando que isso vai cair no colo dele. Valor: Qual a sua expectativa para os próximos dois anos do governo Lula? Alcântara: Vamos ver se ele consegue investir mais, gastar mais. O tranco foi muito grande. A redução dos investimentos foi grande. Como presidente da República, ele está certo em transmitir otimismo. Mas há uma retração muito grande dos investimentos. O governo tem se defendido afirmando que houve investimentos de R$ 9 bilhões, mas R$ 3,7 bilhões eram de restos a pagar do ano anterior.