Título: Reunião do governo decide futuro da Vasp
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2005, Empresas &, p. B3

O vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, convocou uma reunião de emergência para definir o futuro da Vasp. A situação da companhia aérea é insustentável e os passageiros com bilhetes emitidos, que ainda têm esperanças de embarcar, não podem mais pagar o preço dos seguidos cancelamentos de seus vôos, avalia o governo. Alencar chamou para um encontro hoje, às 9h, o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos da Silva Bueno, e o diretor-geral do Departamento de Aviação Civil (DAC), brigadeiro Jorge Godinho Nery. Não está descartada a possibilidade de cassação da licença para a Vasp operar. O ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, defendeu a adoção de medidas punitivas caso a companhia não regularize as suas operações e continue cancelando vôos de forma "sistemática". "O DAC vai ter que agir com presteza, vamos ter que tomar uma atitude", afirmou Mares Guia. Após ficar sem decolar no fim de semana, a Vasp fez apenas três vôos ontem, até as 18h, com escalas. Os aviões saíram dos aeroportos de Guarulhos, Recife e do Galeão, segundo a Infraero. Houve quatro cancelamentos. A companhia aérea é obrigada a pagar diária e antecipadamente as suas taxas aeroportuárias à Infraero para poder voar. Nas últimas semanas, porém, encaminhou à estatal quatro cheques sem fundo, no valor de R$ 35 mil cada, para o pagamento dessas operações. Não é a primeira vez que isso acontece. Em novembro, a Infraero chegou a exigir da Vasp o depósito em dinheiro e em cada aeroporto, por causa dos seguidos calotes que alega ter recebido. O presidente da Vasp, Wagner Canhedo, buscou a interferência de José Alencar e a cobrança voltou a ser feita em cheque, de forma centralizada. Para a surpresa da estatal, no entanto, o problema se repetiu. Cercado pelos credores e tratado com impaciência por Alencar, o presidente da Vasp se recusa a jogar a toalha e ainda pensa em reerguer a empresa. Em dezembro, a participação de mercado da companhia atingiu 0,75%. Segundo a Infraero, as taxas pagas diariamente pela Vasp equivalem a um fluxo de menos de 400 passageiros. Mesmo diante desse número, o dono da Vasp se recusa a jogar a toalha. "Não há a menor possibilidade pararmos de operar", disse Canhedo ao Valor. Ele assegura ter o apoio de Alencar para um acerto de contas com os Correios e receber R$ 111 milhões oriundos de uma ação vencida na Justiça. De acordo com assessores de Canhedo, os Correios usavam o transporte aéreo da Vasp e deixaram de pagar a companhia. Após uma briga judicial de dez anos, a empresa agora teria direito à indenização e procura um acordo com o governo para abater suas dívidas. A estatal foi procurada, mas não respondeu as declarações de Canhedo. O empresário foi além e, parecendo ignorar a situação de penúria de sua companhia, afirmou que pretende importar dez aeronaves do modelo 737-300, por meio de leasing operacional. Mas diz que só fará isso quando o governo definir um socorro à Varig ou divulgar medidas de incentivo para o setor. "Precisamos do apoio do governo", insiste Canhedo. "Querer é uma coisa, precisar é outra. Estamos aguardando um acerto de contas." E se o governo não concordar? "Precisamos receber aquilo que nos devem. Não trabalhamos com a possibilidade de isso não acontecer." Segundo Canhedo, a Vasp deixou de operar vôos com taxa de ocupação inferior a 50%. No fim de semana, argumenta, os vôos apresentaram vendas de passagens abaixo desse índice e por isso foram cancelados. Ele afirmou, porém, que a empresa está operando normalmente e descartou a hipótese de fazer demissões Mas no mercado, sabe-se que as suspensões dos vôos estão ligadas à falta de dinheiro para pagar o combustível e as taxas à Infraero. Tanto a Shell, sua principal fornecedora de querosene, quanto a BR Distribuidora, só abastecem os aviões da Vasp mediante pagamento prévio. Uma fonte da Shell que, como a companhia não tem crédito, ela paga o consumo, por exemplo, de três ou quatro dias _ equivalentes a cerca de R$ 35 milhões a R$ 40 milhões _ e o valor vai sendo abatido à medida em que os aviões são abastecidos. O fato é que, hoje, uma interrupção definitiva das operações da Vasp teria impacto quase nulo no mercado e um custo político para o governo bastante minimizado, por causa da queda brusca de sua atividade. Situação completamente diferente da Varig, que, com "market share" na casa de 30% no doméstico e enorme participação no segmento internacional, tem recebido grande atenção de Alencar. Em 1998, a Vasp tinha 23% do mercado de aviação doméstico. Naquele ano a Vasp ainda operava no exterior e respondia por 22% dos vôos internacionais de companhias brasileiras. No acumulado de 2004, ficou com menos de 9% do doméstico, sendo que em dezembro o índice despencou para 0,75%. A se confirmar a participação de dezembro, a Vasp tem hoje o mesmo tamanho da Rico Linhas Aéreas, uma companhia regional que opera no Norte do país e ficou com 0,72% do mercado em dezembro. É difícil estimar quantos bilhetes emitidos e não utilizados por clientes a Vasp tem hoje no mercado. Para um executivo do setor, não seria exagero supor algo na casa de 90 mil bilhetes. Mas há quem acredite que o número é muito menor, porque a participação de mercado da companhia despencou dramaticamente, assim como suas vendas. De qualquer forma, as demonstrações financeiras da empresa de junho do ano passado, as últimas divulgadas, não trazem essa informação, que é normalmente publicada pelas companhias em seu balanço. Além dos credores, entre eles o próprio governo, os funcionários da Vasp estariam entre os grandes prejudicados em caso de quebra. Hoje a empresa tem 4,5 mil funcionários, sendo que 80% estão em licença não remunerada desde outubro. Há cinco anos, eram 7 mil empregados. As ações trabalhistas se avolumam dia após dia e as cifras das indenizações pedidas são de centenas de milhões. (Colaboraram Vanessa Adachi, de São Paulo, e Cláudia Schüffner, do Rio)