Título: Golpe contra terceirizados
Autor: Bonfanti, Cristiane ; Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 12/01/2011, Economia, p. 11

Trabalho Prestadoras de serviço cometem um festival de irregularidades, como o atraso de salários e a falta de recolhimento do FGTS

Sai Lula, entra Dilma Rousseff, mas os problemas para os trabalhadores de empresas terceirizadas continuam. Na Esplanada dos Ministérios, empregados convivem diariamente com o desrespeito aos direitos trabalhistas, o atraso no pagamento dos salários, do 13º e das férias, entre outras irregularidades. A administração pública paga as companhias, mas elas não repassam o dinheiro aos trabalhadores. Muitas vezes, fecham as portas e desaparecem. Uma das campeãs de reclamações é a Visual Locação de Serviços e Construção Civil, que presta serviços de limpeza e conservação para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Contratada pela Visual, a auxiliar de serviços gerais Sônia P.*, 40 anos, ainda não recebeu o salário de dezembro. Há um ano e 11 meses no cargo, não tirou férias e nem sequer consegue uma resposta satisfatória da empresa. No fim do ano, ela foi a unidades do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e da Caixa Econômica Federal e descobriu que, embora seja descontada todo mês no contracheque, a contribuição previdenciária não é repassada ao governo. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) nunca foi depositado. ¿Está tudo irregular. Temos problemas todos os meses para receber o vale-alimentação e o vale-transporte. Minhas faturas do cartão de crédito, contas de água e de luz estão atrasadas¿, reclamou.

Indignada com a situação, Sônia e cerca de 30 colegas foram à Delegacia Regional do Trabalho (DRT) na segunda-feira. ¿Eles prometeram que mandariam um fiscal aqui, mas ainda não vimos movimento¿, disse. Atualmente, na Justiça do Trabalho da 10ª Região, que abrange o Distrito Federal e Tocantins, há cerca de 410 processos contra a Visual, 3,5 mil contra a Fiança e 5,4 mil contra a Conservo. A situação dos empregados ficou mais complicada depois que, em novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) desobrigou União, estados e municípios a arcar com os custos trabalhistas que não são pagos pelas empresas terceirizadas.

Sem caixa

Na prática, a decisão do STF restringe as possibilidades de conquista dos direitos trabalhistas por parte de empregados como a auxiliar de serviços gerais Carlita T.*, 54 anos. Ela é contratada pela Visual há cinco anos e foi transferida do Ministério da Fazenda para o MCT. ¿Estou há dois anos sem tirar férias. A empresa simplesmente diz que não tem dinheiro em caixa¿, queixou-se. A auxiliar Renata S.* também foi conferir a situação do depósito do FGTS e descobriu que ele está irregular. ¿Somos mais de 60 pessoas nessa situação¿, denunciou.

O Correio tentou entrar em contato com os representantes da Visual, que não atenderam as ligações. A reportagem foi ao escritório da empresa, no Núcleo Bandeirante, mas não foi recebida. Um aviso fixado na parede dizia: ¿Atendimento de segunda a sexta-feira somente mediante agendamento e só para funcionários¿. De acordo com moradores da região, muitas pessoas procuram a unidade para fazer cobranças e, por isso, os administradores mantêm as portas fechadas. ¿Eles já devem para muita gente, inclusive da vizinhança¿, disse um deles.

A Coordenação-Geral de Recursos Logísticos do Ministério da Ciência e Tecnologia informou que tem tomado providências para evitar que o serviço de limpeza seja suspenso. Para isso, ¿tem conversado com a empresa responsável pelos terceirizados para tentar resolver o impasse, mas considera que cabe à Visual resolver a questão¿, segundo comunicado enviado por e-mail ao Correio.

Não apenas no MCT a Visual causou problemas. No Ministério da Fazenda, onde era responsável pela conservação e limpeza até o ano passado, funcionários reclamam que a empresa não repassou à Previdência os valores relativos ao recolhimento do INSS, além de não ter pagado o FGTS. Uma funcionária da área de limpeza, de 35 anos, que só aceitou falar por telefone, relatou que os funcionários da Visual foram orientados a abrir mão de 20% do valor devido pela empresa, mediante a promessa de recontratação pela Condon, terceirizada que a substituiu no fim do ano passado.

¿O acordo foi feito direto com a empresa, mas achamos que tinha o aval do sindicato. Quando chegamos ao sindicato, eles não sabiam de nada¿, disse a funcionária. Além de terem de abrir mão dos direitos sob pena de perder o emprego, os recontratados foram ameaçados de demissão sumária, caso acionassem a Justiça para requerer os benefícios. ¿Fomos avisados que, no fim do nosso contrato, que deve durar mais quatro meses, seremos mandados embora. Só estou esperando isso para reclamar na Justiça.¿

Bagunça

Os atrasos nos salários dos terceirizados da Esplanada são comuns. ¿Agora, com os novos contratos, está tudo certo. Mas sempre ouvimos sobre pessoas que não recebem o salário há meses. A antiga empresa, Conservo, sempre atrasava¿, disse uma funcionária do Ministério das Comunicações. ¿Essas empresas são uma bagunça mesmo¿, completou outro trabalhador, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Amedrontados, os funcionários preferem não se identificar. ¿É um direito nosso. Mas, se mostrarmos a cara para reclamar, vamos para o olho da rua¿, lamentou Maria J.*, auxiliar de serviços gerais da Fazenda.

*Nomes fictícios