Título: Itália fica de fora da emissão do Brasil
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2005, Finanças, p. C1

Os investidores italianos não puderam comprar os títulos do governo brasileiro em euros, no total de 500 milhões de euros e com prazo de vencimento em dez anos, emitidos na semana passada. Os papéis foram lançados em meio à discussão da nova proposta de reestruturação da dívida externa argentina, que impõe pesados prejuízos aos investidores pessoas físicas italianos, muitos deles aposentados. Eles estão sem receber desde o fim de 2001, com a moratória argentina, e acusam os bancos que vendiam os papéis de não terem explicado os riscos que corriam com os papéis. Segundo a edição on-line do jornal argentino "La Nacion", o Brasil não vendeu seus papéis na Itália por não ter conseguido autorização do banco central italiano para realizar a oferta. O "La Nacion" cita o jornal de economia italiano "Il Sole 24 Ore" como sua fonte de informação. A reportagem afirma que a idéia do Banco da Itália com a medida foi tentar prevenir novos prejuízos aos pequenos investidores. O governo brasileiro e fontes do mercado próximas à operação negam a informação. Garantem que a decisão de não lançar os papéis no mercado italiano partiu do próprio Brasil, que precisava de agilidade na captação e não tinha tempo hábil para esperar a autorização do BC italiano. O secretário-adjunto do Tesouro Nacional, José Antônio Gragnani, disse que não foi feito nenhum pedido às autoridades italianas para a emissão. Segundo ele, não haveria tempo para a aprovação do pedido, já que a solicitação deve ser feita com 20 dias de antecedência. Mas, a verdade é que, com o caso argentino, as autoridades reguladoras na Itália estão exigindo cada vez mais detalhes e burocratizando operações de venda de títulos de dívida para pessoas físicas. Querem evitar os erros do passado. Há semanas, a Consob, comissão que fiscaliza o mercado de capitais italiano, após receber mais de 404 denúncias desde 2003, enviou ao Ministério da Economia de Roma os resultados de uma investigação. A Consob conclui que dezenas de bancos não alertaram seus clientes pessoas físicas de que os chamados "tango-bonds", os títulos argentinos, tinham alto risco e se destinavam a investidores qualificados, segundo o "La Nacion" afirma, citando o "Il Sole 24 Ore". O Ministério da Economia italiano analisa agora se aprova ou não o informe da Consob, que recomenda impor multas aos bancos. Segundo a Consob, os folhetos oficiais dos "tango-bonds" feitos pelo governo argentino deixavam claro que os instrumentos eram para venda "unicamente para investidores especulativos e em condições de avaliar e suportar riscos especiais". Os bancos não teriam respeitado isso. Na Itália, 450 mil investidores detêm 15% da dívida externa argentina em reestruturação - no total de US$ 82 bilhões, segundo o "La Nacion". Esses investidores estão indo à Justiça, com mais de 2.500 ações, e já conseguiram seis sentenças a seu favor, uma delas contra o Deutsche Bank, que terá de pagar 152 mil euros a aposentados. O Estado argentino também está sendo processado. Com a moratória argentina, em 2001, em um primeiro momento o mercado de euros se fechou completamente para emissores da América Latina. Depois foi voltando aos poucos, mas a participação dos investidores italianos nunca mais foi a mesma. Antes da moratória argentina, eles compravam 25% dos títulos do governo brasileiro emitidos em euro, porcentagem que caiu para 5% no ano passado, segundo Luis Paixão, diretor de renda fixa internacional do Banif Primus. O Bradesco, que lançou em abril do ano passado 250 milhões de euros em títulos de dívida subordinada (que entra como capital no balanço do banco), já na época preferiu ficar fora do mercado italiano, por causa da burocracia. No Japão, onde também as pessoas físicas estavam entre os principais compradores dos papéis argentinos, o Brasil não conseguiu mais voltar a lançar bônus em ienes, os chamados de "bônus samurais". Esse mercado, que já foi de mais de US$ 3,3 bilhões em um ano, está absolutamente paralisado desde 2001. Nos Estados Unidos, por lei, as pessoas físicas não podem comprar papéis que não são "investment grade" - investimento não-especulativo. (Colaborou Alex Ribeiro, de Brasília)