Título: STF poderá rever casos pacíficos de ISS e ICMS
Autor: Zínia Baeta e Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Discussões tributárias de competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já encerradas na corte, principalmente aquelas que se referem ao Imposto Sobre Serviço (ISS) e ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), poderão ser reavaliadas. Isso porque a reforma do Judiciário - implantada pela Emenda Constitucional nº 45 - transferiu para o Supremo Tribunal Federal (STF) a competência para julgar conflitos de leis municipais e estaduais em face de leis federais - antes nas mãos do STJ. Na prática, uma série de ações ainda não julgadas que estão no STJ e que envolvem este tipo de conflito será transferida para a análise do Supremo. Apesar de alguns processos serem antigos e os temas de que tratam serem pacíficos no STJ, nada impede que o Supremo adote um entendimento diferente da outra corte. Ainda que a mudança de jurisprudência seja uma hipótese, o presidente o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral, afirma que as empresas com ações que abordem este tipo de conflito devem rever seus planejamentos tributários e estruturas de negócios em determinadas situações. Isso porque o empreendimento não poderá mais contar com resultados certos para processos que abordem temas pacíficos, uma vez que eles serão transferidos de corte. Como exemplo de tema que pode ser revisto o tributarista cita a discussão sobre o local de recolhimento do ISS. O STJ já definiu que o imposto deve ser pago ao município onde que é prestado o serviço, sob a análise do Decreto-Lei nº 406/68. Como ainda existem várias ações sobre o tema no STJ, ao serem transferidas para o Supremo a questão poderá ser revista. O STJ ainda não julgou a questão levando em consideração a Lei Complementar nº 116/03, que trata do ISS. O que, agora, fica a cargo do Supremo. Outro exemplo é a discussão sobre o ICMS. De acordo com Amaral, o STJ já definiu que na importação o ICMS deve ser pago ao Estado em que está localizada a empresa e não ao Estado onde a mercadoria foi desembaraçada. O tributarista diz que a questão das sociedades de profissões regulamentadas também é outra que poderia ser julgada de forma diferente no Supremo em relação ao STJ. Segundo Amaral, o STJ entende que as sociedades devem recolher o ISS proporcional ao número de profissionais que tenham, em um valor fixo, ao invés da incidência do imposto sobre o seu faturamento. O tributarista Eduardo Fleury, do Monteiro, Fleury, Neves Advogados, cita o caso da multa de mora sobre pagamento espontâneo. O STJ entende que não é devida a multa quando o contribuinte confessa o débito. "O Supremo pode mudar de entendimento", afirma o tributarista. Ainda que a mudança de competência possa trazer alguns transtornos para os contribuintes, seu impacto é tido como pequeno por especialistas, uma vez que muitos casos levados ao STJ acabavam indo para o Supremo também. Além disso, a alteração é vista de forma positiva. O advogado Roberto Salles, da Branco Consultores, acredita que a transferência de ações trará maior segurança jurídica. Isso porque o Supremo passará a julgar todos os tipos de conflitos entre leis. O único conflito que não era de competência do Supremo era o de lei local em face de lei federal. "Quando um tribunal julga todos esses tipos de conflitos, a tendência é de que as decisões sejam mais uniformes", afirma Salles. O advogado Luiz Rogério Sawaya, do escritório Apocalypse, Nunes e Sawaya Advogados, acrescenta que o STJ vem, a todo instante, emitindo julgamentos contrários aos seus próprios julgados e mudando de posicionamento em curto espaço de tempo. Por isso, diz, a mudança será positiva, uma vez que o Supremo dificilmente fará isso, o que traz maior segurança para o contribuinte. Além disso, existe a possibilidade de a questão ser sumulada. Um exemplo citado por especialistas é a questão do prazo prescricional para a cobrança de impostos recolhidos a maior pelo contribuinte. O entendimento do STJ já foi de cinco anos e agora está em dez anos. A vice-presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Márcia Machado Melaré, acredita que a mudança não traz fortalecimento ao Supremo, mas representa um realinhamento de funções dos tribunais. Para ela, a alteração é coerente com o perfil do Supremo. "Todas as alterações fazem parte de um processo de readequação para dar maior racionalidade às competências dos tribunais superiores", analisa o secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault. O secretário acredita que as cortes terão um melhor funcionamento a partir das alterações implementadas pela reforma. "Esses debates de competência dão mostra da abrangência da reforma do Judiciário. Muito se falou que ela não melhoraria a tramitação dos processos, mas não é verdade", diz o secretário. Na avaliação de Renault, a alteração da competência do julgamento de leis municipais e estaduais que conflitam com legislações federais é um exemplo de maior racionalidade. Isso porque, apesar dessas questões serem debatidas no STJ, elas sempre terminavam no Supremo por alguma questão constitucional levantada. "Ao final, a verificação do conflito das leis é feito à luz da Constituição", diz. De acordo com o presidente do STF, Nelson Jobim, a alteração da competência traz maior segurança para as empresas e entes federativos envolvidos nas ações entre leis estaduais e municipais e legislação federal. "Contextualmente, é uma alteração importante, pois trata-se de um problema de segurança jurídica", afirma o ministro. Segundo Jobim, os ministros do STJ vão transferir os casos para outros tribunais porque não terão mais competência para julgá-los. Os advogados, diz, poderão também ingressar com petições para transferir o processo de uma corte para outra.