Título: Infra-estrutura facilitou concentração
Autor: Maria Helena Passos
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2005, Suplemento, p. F1

São Paulo, a terra do dinheiro, de gente apressada e que amanhece trabalhando, torna-se cada vez mais ponto de referência para os investidores, por concentrar praticamente toda a atividade financeira do País. Se Nova York e Chicago são as praças de negócios mais importantes dos norte-americanos; Londres e Frankfurt para os europeus; e Tóquio e Hong Kong para os asiáticos, a capital paulista concentrou a atividade financeira de tal forma que nos últimos anos qualquer homem de negócios brasileiro de sucesso diz que precisa estar no mercado paulista. Uma explicação para esse movimento poderia estar na infra-estrutura da cidade, pela proximidade com o Porto de Santos ou, ainda, pelo dinheiro que antes foi dos barões do café, depois dos industriais e que hoje vem de todos os segmentos. Essa alquimia e os investimentos em melhorias na cidade produziram um sistema financeiro forte, porque a São Paulo do século passado era passagem das mercadorias que o país exportava, como borracha, café e cana-de-açucar. Em 1890, a atual Bovespa chamava-se Bolsa Livre e os primeiros papéis negociados foram do Banco da Lavoura, um banco mineiro financiador da produção de café do Sul de Minas Gerais e de exportações. Mas a grande concentração mesmo veio após a Segunda Guerra mundial. Os negócios deslancharam e a cidade cresceu com indústrias de tecelagem, de máquinas e do comércio. Bancos como os dois maiores do País, o Bradesco e o Itaú, montaram suas sedes na capital que puxava o desenvolvimento. O Bradesco, que nasceu em 1943 em Marília, no interior do Estado, rumou três anos depois para a Rua Álvares Penteado, no coração financeiro da metrópole, certo de que o fluxo de riqueza e as oportunidades viriam da capital. Em 1953, a sede do Bradesco foi para Osasco, até então um distrito, que recebeu o nome de Cidade de Deus. Já o Itaú nasceu no quadrilátero da riqueza, com sua primeira agência aberta na rua Benjamin Constant, 187, pelas mãos de Alfredo Egydio de Souza Aranha. A mesa usada pelo atual presidente do Conselho de Administração, Olavo Setúbal, hoje com 82 anos, está conservada e intacta no centro de memória do banco. Mas para a capital manter esse ritmo e tornar-se referência do sistema financeiro, o que contou foi sua infra-estrutura. "Tem a riqueza e a logística ideal para os investidores", afirma Roberto Luis Troster, economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Mas ele alerta que, sem investimentos e com a pesada estrutura tributária, a capital dos negócios financeiros poderá perder espaço para outro lugar. Para cada US$ 100 de investimento, pergunta-se o seguinte: "Aplica-se o dinheiro num banco de um país vizinho onde não há impostos ou naquele em que o dinheiro é tributado?" Troster avalia que é essa a leitura que São Paulo deve fazer para manter-se na frente. Dos 20 maiores bancos do País, 13 têm sede em São Paulo. Segundo Troster, os bancos e os investidores se atraem e onde houver a melhor logística, certamente lá estará um centro financeiro. Das 17.234 agências bancárias existentes do Brasil, de todos os bancos, 5.526 agências estão no Estado de São Paulo e 2.538 na capital paulista. Para o presidente da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), Manuel Félix Cintra Neto, a centralização das atividades bancárias, como ocorreu na cidade de São Paulo do início do século passado até hoje, gerou ganhos de eficiência pela proximidade dos investidores com as corretoras e as bolsas. Os investimentos em tecnologia nos últimos 20 anos permitiram que a centralização logística não ficasse apenas no centro da cidade. Mas quando Cintra Neto fala em concentração das atividades, ele atribui esse processo não ao local onde os bancos, as "clearings" e as corretoras estão instaladas, mas nas regiões que mais se desenvolveram economicamente. O mercado de capitais, lembra, foi centralizado no eixo Rio-São Paulo há menos de cinco anos. A BM&F, criada em 1986, hoje é a maior da América Latina em operações com derivativos e gira R$ 20 bilhões em contratos que mudam de mãos diariamente. Por ali circulam mais de mil pessoas por dia. Cintra Neto conta que São Paulo vai ganhar uma "clearing", uma câmara interamericana de liquidação de moedas em contratos de derivativos, chamada Sicom. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é parceiro no projeto e a BM&F coordena o desenvolvimento desta câmara que terá correspondente na cidade de Rosário, na Argentina, onde se encontra uma bolsa de mercadorias. "O exportador brasileiro de soja, por exemplo, poderá liquidar seu negócio nessa câmara", explica. Quem também se recorda do processo de concentração das atividades financeiras é Odilson Lírio Moré, funcionário há 36 anos da Bovespa e hoje, aos 62 anos, diretor de auditoria. Moré se lembra das oito bolsas que o Brasil já teve, as regionais, e que a Bolsa do Rio, por exemplo, tinha até meados da década de 80 uma fatia de 55% dos negócios e São Paulo, 40%. Os 5% restantes eram distribuídos por outras bolsas pequenas do país, como a de Minas Gerais, do Paraná, do Norte e do Extremo Sul. Moré conta que quando começou a trabalhar, os preços das ações eram lançados em uma lousa gigante, com as ofertas de compra e de venda para os investidores. Ele também viu a passagem dos administradores dos fundos públicos nomeados pelo governo para as corretoras. O aperfeiçoamento das regras, dos processos e da infra-estrutura, investimentos da Bovespa, avalia, garantiu a atração dos negócios para São Paulo a partir de 1990. Em meados de 2000, esse processo culminou na compra da Bolsa do Rio pela Bovespa. Foram três os processos que fizeram a cidade centralizar os negócios, segundo ele. O avanço da tecnologia com ênfase na credibilidade, a instituição das negociações eletrônicas e a popularização da bolsa. "Hoje os investidores individuais respondem por 30% dos negócios"¸diz. E o maior fiador para a Bovespa continuar na frente tem sido seu atual presidente, Raymundo Magliano: lá atrás, quando 45 corretores compraram as primeiras autorizações para negociar, lá estava a família Magliano. Sua carta-patente foi a primeira concedida e até hoje seus operadores têm o número um nos jalecos. São Paulo, assim, conta a história da riqueza do país. "Mas seu futuro depende de vontade política. Senão, vira futuro do pretérito", diz Roberto Luis Troster.