Título: Brasil e Argentina caminham para um consenso sobre as salvaguardas
Autor: Raquel Landim e Francisco Goés
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2005, Brasil, p. A2

O Mercosul está cada vez mais próximo de ganhar um novo penduricalho, com a adoção de salvaguardas que podem restringir o comércio entre Brasil e Argentina, os dois principais sócios do bloco. Ontem o Brasil cedeu e entregou ao governo argentino documento no qual reconhece a existência de assimetrias no bloco e admite o que denominou de uma "cláusula de ajuste". A Argentina sinalizou, por sua vez, que pode abrir mão da aplicação automática do mecanismo e aceitar regras similares às previstas pela Organização Mundial de Comércio (OMC). Os movimentos feitos pelos governos dos dois países, em reunião bilateral que se estendeu ao longo do dia, no Rio, indicam que começa a haver uma convergência em relação ao controverso tema das salvaguardas. Apesar disso, segue o impasse nas negociações do setor privado e estão mantidas as barreiras argentinas impostas para as importações de televisores e lava-roupas. O governo argentino avaliará a oferta brasileira até uma nova reunião entre os dois países marcada para a primeira quinzena de março. O documento entregue ontem pelo Brasil é uma resposta ao pedido de adoção de salvaguardas do ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, entregue em visita à Brasília em setembro de 2004. Os dois governos evitam utilizar o termo salvaguarda e optam pela burocrática definição de "mecanismo de expansão equilibrada do comércio bilateral e da integração produtiva das economias." A proposta de Lavagna previa a adoção automática de salvaguardas, que podem ser cotas ou tarifas, quando houver variações bruscas no PIB ou no câmbio dos dois países. A oferta brasileira, apresentada ontem, é bastante semelhante ao mecanismo utilizado na OMC, que prevê salvaguardas no caso de um surto de importações causar dano ou ameaçar a indústria nacional. Os argentinos já sinalizam que podem aceitar a proposta brasileira. "O Brasil tem dito em mais de uma oportunidade que acredita não ser conveniente a utilização de um mecanismo automático. Nós, tampouco, nos atamos à idéia de que a nossa proposta é a melhor e estamos abertos a sugestões", disse ao Valor Alberto Dumont, secretário de Indústria e Comércio da Argentina. O Brasil entregou um segundo documento que trata da questão dos investimentos nos dois países, mas os argentinos consideraram o texto "genérico". A proposta brasileira é uma resposta ao pedido argentino da adoção de um código de conduta que limitaria o direito de as empresas transferirem operações de um país para o outro. O Brasil não aceita esse tipo de restrição. O secretário de Relações Internacionais da chancelaria argentina, Alfredo Chiaradía, negou que as salvaguardas sejam um retrocesso no Mercosul. "Não existe nenhum impedimento para esse tipo de mecanismo em uma união aduaneira desde que não represente uma fatia substancial do comércio", defendeu. Em comunicado oficial divulgado após o encerramento da reunião, as delegações dos dois países afirmam que o encontro permitiu discutir "uma agenda positiva que contribua para o fortalecimento da indústria regional através da integração produtiva, o financiamento conjunto e o aprofundamento dos elementos constitutivos da união aduaneira". O comunicado também informa que os governos decidiram formar grupos de trabalho para buscar uma política industrial comum para o setor de linha branca, um dos mais polêmicos do comércio bilateral cujas negociações seguem sem solução. O secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Márcio Fortes, informou que nova reunião para discutir a salvaguarda de 21% aplicada sobre as importações de televisores produzidos na Zona Franca de Manaus foi marcada para o dia 2 de fevereiro. "Negociar é a arte de saber ceder, não é de ganhar de cinco a zero", comparou Fortes. Paulo Saab, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Eletroeletrônicos (Eletros), disse que as dez empresas brasileiras que fabricam televisores ainda irão avaliar se participam do encontro no dia 2. Ele avaliou que os argentinos têm interesse de resolver a questão porque no dia 5 de fevereiro deve ser conhecida a decisão sobre o processo de salvaguardas aberto pelo país vizinho. O Brasil entende que as salvaguardas aplicadas sobre as tevês não estão de acordo com as regras da OMC.