Título: Recomeça a guerra, com Lula no ataque
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2005, Política, p. A6

O adversário mais temível para um pemedebista, seja ele quem for, sempre será um companheiro de sigla. Não fosse a existência desta regra, que não comporta nenhuma exceção, o presidente do PMDB, Michel Temer, poderia ficar realmente preocupado com o que se pensa e se diz a seu respeito no Palácio do Planalto, há muitos meses. A disposição do governo federal de tudo fazer para destroná-lo da presidência do partido não é propriamente nova. A novidade é que, diante do fato de os governistas não terem maioria para manter o PMDB colado no governo, evidente na convenção anulada de dezembro, Lula aumentou o espaço entre as traves para que o gol se torne mais fácil de ser marcado. Amplia o governismo buscando novos governistas, como o ministro Ciro Gomes, ainda no PPS e a senadora Roseana Sarney, ainda no PFL. Em paralelo, tenta dividir a frente entre oposicionistas e interessados em uma nova interlocução com o governo que se reuniram em torno do presidente da sigla. Bem sucedida, a operação emparedará Temer com uma fatura muito baixa a ser liquidada em 2006: o sacrifício de algumas candidaturas regionais petistas em favor do PMDB nas eleições para governador. Como o PT já não tem uma base significativa nos Estados, estará tudo em paz. O lugar de vice na chapa fica para ser acertado em uma competição entre PL, PTB e PMDB, sem desprezar a possibilidade de uma chapa pura nas próximas eleições. "Há partidos que aceitam ser satélites do governo federal porque são muito dependentes do Planalto para crescer. O PMDB não tem que ser assim", lamenta Temer. O presidente do PMDB é um porta-voz do projeto de candidatura própria à Presidência. Reconhece que o ex-governador do Rio Anthony Garotinho é o nome mais forte, mas faz questão que se inclua como presidenciáveis o gaúcho Germano Rigotto e o paranaense Roberto Requião e afirma que até mesmo o presidente do STF, Nelson Jobim, poderia ser lançado, caso quisesse se aventurar. "Jobim seria muito bem vindo. Ele gosta de política e já teve vinculações conosco. Sua candidatura hoje não parece forte, mas isso é irrelevante. A construção se daria durante a campanha", afirma. Mas Temer é acima de tudo um pragmático. No ano passado, foi o escolhido para ser candidato do PMDB à Prefeitura de São Paulo. Ao perceber que não ia emplacar, compôs com Luiza Erundina, do PSB. Não há porque pensar que agiria diferente em 2006, caso controlasse o partido. "Coalizão não se faz no começo, e sim no final da corrida. Eu tinha a minha pré-candidatura e depois verificamos que não tínhamos chance. O que não pode é dois anos antes da eleição dizer que não vai ter candidato", diz.

Governo tenta ter o PMDB a custo baixo

O presidente do PMDB, do ponto de vista tático, está mais distante do que nunca do Planalto. Mas a maneira como faz oposição difere da dos tucanos, pefelistas ou até alguns companheiros de partido. Não se observa traço de discurso ideológico. Como outros pemedebistas, inclusive os do campo oposto, como Renan Calheiros, Eunício Oliveira e outros, é um praticante da política em estado bruto. As circunstâncias o colocaram contra o governo e o pemedebista procura seguir o roteiro. "A vida é uma representação, e você tem que assumir seus papéis", diz o dirigente, lembrando-se de uma frase dita nos anos 80 pelo ator Gianfrancesco Guarnieri, quando foi escolhido secretário municipal de Cultura em São Paulo. Na época, Temer estava assumindo a Secretaria Estadual de Segurança Pública e as palavras de Guarnieri o impressionaram muito: concluiu que o segredo era descobrir qual o personagem que lhe cabia. Até o ano passado, quando Temer ainda participava da interlocução com o governo, mencionou ao ministro da Casa Civil, José Dirceu, a importância de se fazer um governo de coalizão. E disse que esta coalizão se manifestaria com a entrega de ministérios estratégicos politicamente, como o da Saúde ou o da Educação. O hoje oposicionista queria encontrar fórmulas para colocar o PMDB na alma do governo. "Foi com o tempo que percebi que a relação não era boa", diz. Lula e José Dirceu resolveram arriscar, de maneira errática e atribulada, conseguir mais do que Temer oferecia, cedendo menos. Para isso, adaptaram as lições já praticadas no passado por Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique, quando presidentes, sobre como lidar com o PMDB: ignorar os papéis institucionais, explorar as divisões internas, não se impressionar com as ameaças e jamais abrir mão de ter a maior parte da bancada parlamentar dentro da base. Surpreenderam-se com a resistência demonstrada no ano passado. Mas definitivamente não parecem dispostos a rever a tática.