Título: Uma escolha que faz a diferença
Autor: Martin Wolf
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2005, Opinião, p. A11

Nosso mundo é um mundo de países. Entretanto, nenhum desses países pode isolar-se do que acontece nos outros. Todos podem aprender uns com os outros. Todos estão ameaçados pela expansão do terrorismo, gangsterismo, poluição, doenças e guerras. Todos podem beneficiar-se dos fluxos de idéias, comércio e investimentos. Como um mundo de Estados soberanos pode alcançar tais objetivos? "Por meio de instituições internacionais", é grande parte da resposta. Excluídos os que trabalham, assessoram ou dependem dessas instituições, poucos são os que por elas sentem afeição. No entanto, por mais impopulares e imperfeitas que possam ser, elas desempenham funções de valor inestimável. Isso é verdadeiro no caso das três instituições, cujos presidentes em breve deixarão seus postos: Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio (OMC) e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). James Wolfensohn deixará o banco no fim de maio, Supachai Panitchpakdi se afastará da OMC no fim de agosto e Donald Johnston sairá da OCDE em junho de 2006. Quem se importa com quem os substituirão? Eu me importo, e sugiro que o leitor também. Essas instituições precisam ser comandadas por gente de primeiro time, e não pelas mediocridades que os governos geralmente preferem. A função menos controvertida dessas instituições é a disponibilização de dados e análises relevantes, confiáveis e internacionalmente comparáveis. Informação é um bem público clássico. Devemos ser gratos pelo bom trabalho realizado por essas instituições. Mas elas fazem muito mais que isso. A OCDE é o instituto de pesquisa e planejamento das democracias liberais avançadas. Incentiva os governos membros da organização a aprender uns com os outros tudo o que esteja relacionado com seu leque de políticas. A OMC supervisiona os acordos que estão na base da atual economia globalizada e aberta. O banco é o principal repositório de conhecimento prático e a agência operacional predominante no campo do desenvolvimento econômico. Essas instituições são relevantes. Como compreenderam os fundadores da ordem pós-Segunda Guerra, tanto cooperação pontual como domínio imperial não poderiam servir de fundamento para o mundo mais cooperativo, previsível e economicamente aberto que pretendiam criar. Soberania ilimitada desembocara nas calamidades do período 1914-45. O que era preciso, em vez disso, eram instituições duradouras, que não substituiriam Estados, mas se apoiariam neles, criando hábitos duradouros de cooperação. Essa percepção correta continua válida. Os países continuam capacitados a realizar mais por intermédio de instituições estruturadas do que atuando isoladamente ou com base em arranjos pontuais. Até mesmo os EUA, mais poderoso entre todos os países, deveriam estar começando a aceitar essa lógica. Nessa medida, é de interesse de seus membros que essas instituições sejam bem administradas e centradas em seus objetivos fundamentais. Essa, portanto, deveria também ser a preocupação central na escolha de novos líderes. Nacionalidade deveria ser irrelevante (embora, lamentavelmente, não o seja). Por que é que os americanos acreditam que o Banco Mundial deva ser presidido por um de seus concidadãos? A influência americana não depende disso. O presidente de uma instituição internacional sempre será sensível aos desejos dos membros mais poderosos.

Se escolhermos pessoas ineptas ou tolas, estaremos fazendo uma declaração de nossa indiferença à cooperação eficaz

A melhor maneira de escolher novos líderes é clara. Deveria ser formada uma comissão de busca de nomes. A comissão deveria fazer uma lista preliminar de candidatos. O organismo executivo da organização deveria, então, selecionar entre esses nomes. Se o melhor candidato ou candidata ao Banco Mundial tivesse nascido, digamos, na Índia, deveria ser o escolhido. É desnecessário dizer que as coisas não funcionam assim. Na OMC, a discórdia sobre a nacionalidade do diretor-geral foi institucionalizada no infeliz acordo estabelecendo mandatos sucessivos de três anos para Mike Moore e Supachai. Os EUA sempre escolheram o presidente do Banco Mundial, assim como os europeus sempre selecionaram o diretor do FMI. Os republicanos têm uma história particularmente infeliz em suas decisões. Entretanto, ainda que o procedimento continue a ser imperfeito, podemos perguntar o que necessitamos nos novos dirigentes dessas instituições. Algumas características são evidentes: probidade, experiência relevante, capacidade gerencial e autoridade pessoal. Mas liderança é a qualidade mais importante. A OCDE é uma organização de pesquisa e planejamento, cujo número de participantes vem crescendo. Necessita de alguém capaz de orientar seu desenvolvimento intelectual e de relacionar-se com seus novos membros, especialmente na Ásia que progride. Na OMC, são negociados complexos acordos visando constituir um sistema aberto de comércio - ela precisa de alguém capaz de vender sua missão, compreender os detalhes e, quando necessário, entender-se com os governos dos quais dependem os acordos. O Banco Mundial é tanto um instituto de pesquisa e planejamento como uma agência operacional. Precisa de um líder que seja moral e intelectualmente engajado. O banco necessita também de alguém capaz de definir prioridades e lidar com as pressões conflitantes dos principais governos doadores, dos países em desenvolvimento tomadores de empréstimos e da exigente, e freqüentemente destrutiva, comunidade de ativistas. Dessas instituições, o banco é possivelmente o mais importante, e certamente o mais difícil de administrar. É a principal fonte de experiência e orientação no que diz respeito ao que continua sendo o maior desafio moral para a humanidade: a erradicação da pobreza extrema. É o mais difícil de administrar devido ao tamanho e à multiplicidade de pressões que sofre. O excelente livro de Sebastian Mallaby sobre James Wolfensohn ('The World´s Banker', Penguin Press) convenceu-me de que ele conseguiu importantes realizações. Entre elas, as iniciativas em favor do abatimento de dívidas, ênfase no combate à corrupção, abandono das metas de empréstimos e descentralização da administração do banco, transferida para regiões. Admiro a paixão e o comprometimento de Wolfensohn, assim como sua capacidade gerencial. O que agora necessitamos é um foco obsessivo na tarefa central do banco: ajudar a gerar crescimento econômico e melhores políticas de bem-estar social nos países mais pobres do mundo, predominantemente na África Subsaariana. Não desejo apontar nomes. É muito mais importante enfatizar a importância das escolhas. Essas instituições representam um compromisso de cooperação para um propósito. As escolhas são relevantes não apenas em razão do que os novos líderes trarão para essas agências. As escolhas também revelarão o que consideramos importante. Se escolhermos personalidades ineptas ou tolas, estaremos fazendo uma declaração de nossa indiferença à cooperação eficaz. Tais escolhas dificilmente constituiriam surpresa. Mas seriam, igualmente, trágicas.