Título: União usa Cide para fazer caixa e Estados, em rodovias
Autor: Janaina Vilella
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2005, Especial, p. A12

O governo federal arrecadou R$ 6,16 bilhões no ano passado com a cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), o chamado imposto sobre os combustíveis, já descontados os 20% referentes à Desvinculação de Receitas da União (DRU). A Cide foi criada em 2002 com o objetivo de ampliar os investimentos em estradas e infra-estrutura. Em relação a 2003 houve um crescimento real de 2,7% na arrecadação. Do total, o governo repassou R$ 1,86 bilhão para Estados e municípios, conforme previa a Medida Provisória 161, de 2004, já convertida na Lei nº 10.866. A lei determina que 29% da arrecadação da Cide seja repartida entre Estados e municípios e 2004 foi o primeiro ano em que estes puderam contar com esses recursos. Os Estados garantem que o dinheiro está sendo efetivamente utilizado para o fim a que se destina - ao contrário do que faz o governo federal. Dos R$ 4,3 bilhões restantes no caixa, a União aplicou na recuperação da estrutura viária do país R$ 2,60 bilhões. A diferença, R$ 1,70 bilhão, foi usada para compor as reservas do Tesouro. Só para se ter uma idéia, o valor dessa diferença daria para construir quase três vezes o trecho de 348 quilômetros da BR-101 que vai de Palhoça, em Santa Catarina, a Osório, no Rio Grande do Sul, obra orçada em R$ 500 milhões. Dos R$ 18 bilhões recolhidos pelo governo desde a criação da Cide, em 2002, R$ 5,5 bilhões, ou 23%, ficaram parados no caixa do Tesouro. Os números constam de um levantamento feito pelo deputado federal Eduardo Paes (PSDB-RJ) e pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) com base nos dados do Sistema de Acompanhamento Financeiro (Siafi). "A Cide é uma contribuição diferente dos impostos tradicionais. Foi criada com um propósito específico, recuperar as estradas brasileiras. E o governo não tem utilizado os recursos como deve", disse Paes. Para ele, "isso é quase uma ilegalidade, e o pior, na prática, tanto a reserva quanto a DRU servem para engordar o superávit primário da União". De acordo com o deputado, a DRU já permite ao governo "desvincular os recursos carimbados para fazer o que quiser, inclusive aplicá-los em estradas". Para o especialista em finanças públicas Raul Velloso, a explicação para o desvio dos recursos da Cide está no aumento crescente dos gastos correntes da União, "independentemente de a economia ter crescido 4,3% até o terceiro trimestre de 2004". Segundo ele, "esses gastos vêm subindo de forma impressionante". Velloso acredita que a única saída para acabar com o problema é "atacar" o aumento das despesas correntes. O economista ressaltou, no entanto, que a publicação da Medida Provisória 161 contribuiu para a redução de 19% no volume de recursos "esterilizados pela União". São Paulo foi o Estado que mais recebeu recursos no ano passado. Segundo o levantamento, a União repassou aos cofres do governo paulista R$ 234 milhões, enquanto Minas Gerais recebeu R$ 143 milhões e o Rio, R$ 74 milhões. No Estado do Rio, cerca de 70% dos recursos já haviam sido empenhados para obras em estradas até ontem, de acordo com o Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (Siafem). "O repasse da Cide foi muito importante para que pudéssemos ampliar os investimentos na malha rodoviária do Estado. Mas ainda acho que o percentual de 29% poderia ser maior", disse o secretário de Finanças do Rio, Henrique Bellúcio. Entre os municípios, os montantes foram bem menores. A ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT), recebeu da União, no ano passado, R$ 78 milhões, enquanto o governador Geraldo Alckmin engordou os cofres com R$ 234 milhões. Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, o volume de recursos destinados às cidades ficou aquém do esperado para 2004, porque a fatia dos 29% destinada aos Estados e municípios só começou a vigorar a partir do terceiro trimestre. O presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Clésio Andrade, afirmou que a situação da malha viária do país chegou ao limite. Segundo ele, não adianta mais o governo federal utilizar parte dos recursos arrecadados com a Cide para "tapar buracos". "É preciso que o sistema rodoviário do país seja reconstruído. Isso sem incluir a necessidade de expansão e duplicação das estradas brasileiras", disse Andrade.