Título: Leilão do Madeira pode ter pouca disputa
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2007, Brasil, p. A3

O encaminhamento das primeiras questões legais do leilão da usina Santo Antonio, no rio Madeira - marcado para 30 de outubro - , levou a um quadro contraditório. Ao mesmo tempo em que surgem manifestações de grupos interessados no leilão, a possibilidade de uma disputa efetiva parece mais remota. Cemig Geração, Light, Suez Energy, CPFL, Endesa, Energias do Brasil e Camargo Corrêa conversam para tentar participar da obra. O contrato firmado entre Furnas e a Odebrecht, contudo, continua sendo visto por grupos interessados como um obstáculo para uma efetiva disputa no leilão da obra, cujo custo é estimado em US$ 10 bilhões.

A quase confirmação da parceira Furnas-Odebrecht (uma vez que as primeiras regras não estabeleceram sua proibição) esfriou um pouco os ânimos da disputa, embora isso não seja admitido publicamente. Em relatório divulgado pelo Unibanco na semana passada, com o sugestivo título "E o vencedor é... Consórcio Odebrecht!", o analista Fernando Abdalla avalia os novos projetos estruturantes do governo - Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira, Belo Monte, no rio Xingu, e a usina nuclear Angra III - "como um déjà vu dos anos 70, ou seja, investimentos enormes e altíssimos custos".

O contrato que celebra a associação entre Furnas e Odebrecht amarra não apenas a estatal à empresa baiana como todas as coligadas da Eletrobrás (Chesf, Eletronorte e Eletrosul), e a própria holding, durante cinco anos. Por causa dele, nenhuma estatal pode se associar com qualquer outra empresa. A Odebrecht garantiu, ainda, exclusividade de suprimento com os principais fabricantes de equipamentos nacionais, entre eles Alstom, Voith-Siemens e VA Tech, que são sócios do consórcio.

João Canellas, diretor executivo da empresa Amazônia Madeira Energia Ltda. (Amel), formada pela Camargo Corrêa para participar do leilão, aponta a existência desses contratos de exclusividade como um risco para a participação da empresa no leilão. Isso porque o governo, até agora, aparenta dificuldades para impor restrições ao modelo desenhado pelo concorrente. "O contrato de exclusividade (dos fabricantes) continua um problema insolúvel, assim como a indefinição sobre a participação das estatais. Com isso, a data do leilão complica nossa participação. Nada se resolveu para a liberação de qualquer fornecedor para nos dar preço, não só dos equipamentos mas também do projeto civil", disse Canellas ao Valor.

Em Brasília, os sinais são de que o governo continua decidido a contornar o problema através de restrições, como a limitação da participação de construtoras e fabricantes a 20% do consórcio. A Aneel apontou problemas jurídicos caso essa restrição conste no edital, mas o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, explicou ao Valor que se não puder ser incluída no edital, "pode virar uma exigência do financiador", no caso a BNDESPar.

Ainda segundo Tolmasquim, o governo agora negocia com a Odebrecht um anexo ao contrato existente abrindo a possibilidade de outros concorrentes se associarem a outras estatais. E qualquer que seja a vencedora, as garantias serão dadas pela controladora Eletrobrás. "O contrato (da Odebrecht) veda a participação de qualquer estatal e a idéia é fazer um anexo ao contrato abrindo mão disso", explicou o presidente da EPE.

A Cemig Geração esteve na semana passada em Brasília conversando sobre o assunto com o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner. A Light e a franco-belga Suez Energy também se movimentam. As empresas afirmam que é preciso ter uma empresa do governo como sócia por causa do tamanho e importância da obra. O presidente da Suez Energy, Maurício Bähr, explicou que o objetivo é ter sócios, inclusive uma estatal, no projeto. Quanto às controladas da Eletrobrás, Bähr disse que não tem preferência. "Pode ser qualquer uma, desde que tenha garantias da Eletrobrás", explicou. Segundo ele, caso não dê tempo para negociar com os sócios antes do leilão, devido à falta de tempo, isso será feito logo depois. A Tractebel, do grupo Suez, detém 8% da capacidade de geração do país.

Os potenciais concorrentes da Odebrecht aguardam agora o edital do leilão. O edital da Aneel está em fase de audiência pública até o dia 24. Para o analista do Unibanco, os recentes eventos reforçam a opinião da instituição de que haverá apenas um consórcio no leilão do rio Madeira, "formado por Odebrecht, Furnas, principais fornecedores e bancos". E não é só. O Unibanco alerta para o risco de atraso de todos os projetos estruturantes de energia no país, dada a "alta probabilidade de obstáculos ambientais e processos judiciais durante a evolução das obras". Na opinião de Abdalla, esses projetos também "contribuirão fortemente para elevar os preços de energia para um novo nível", na faixa de R$ 150 a R$ 160 por MWh.