Título: O desafio de apostar no mercado interno
Autor: Talita Moreira e Marli Olmos
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2005, Empresas &, p. B5

Indústrias que erraram a mão nas projeções sobre o potencial do mercado brasileiro vêm pagando o preço da sobra de capacidade instalada. O cenário levanta dúvidas sobre as perspectivas para setores, como os fabricantes de celulares, que, por também acreditarem na expansão das vendas internas, neste momento investem pesadamente no país. A indústria automotiva é o exemplo mais notório da aposta na demanda interna que não se concretizou. Entre 1994 e 2002, montadoras e fornecedores investiram US$ 27 bilhões no Brasil e prepararam um parque industrial para produzir 3,2 milhões de veículos por ano. Cinco anos depois, à custa do esforço de exportação, as montadoras ocupam 68,9% da sua capacidade. As montadoras têm 25 empresas que produzem 29 marcas em 51 fábricas. Não faltam setores que enfrentam situações parecidas - caso das operadoras de TV por assinatura e dos fabricantes de equipamentos para telefonia fixa. Perspectivas equivocadas sobre o desempenho da economia brasileira e falta de conhecimento sobre o gosto (e o bolso) do consumidor local foram as causas principais das estratégias malsucedidas, dizem especialistas. "De 1994 a 1997, havia uma euforia grande com o Plano Real. Houve erro de análise quanto à sustentabilidade da situação e muitos setores elevaram investimentos", afirma o economista Fabio Silveira, da MS Consult. "Percebemos que o erro da indústria automobilística e fatos como a bolha da internet, deixam outros setores ariscos para investir", destaca o economista Richard Jean Marie Dubois, da Trevisan. Dubois aponta o excesso de capacidade como um dos motivos que levaram as matrizes da indústria automobilística a liberar contratos de exportação às filiais brasileiras. O total de veículos vendido ao exterior representou 15% da produção em 1997, época em que as montadoras se animaram a investir na ampliação industrial. No ano passado, a fatia de veículos completos exportados subiu para 29%. A indústria de telefones celulares vive situação oposta, por enquanto. A demanda interna está superaquecida e, para atendê-la, os fabricantes reduziram as exportações. O ritmo do mercado atraiu novos fabricantes e levou quem já estava no país a investir mais. Há 15 empresas com linha de produção instalada ou em processo de montagem no país e outras cinco estão presentes via importações. A base de clientes das operadoras de telefonia móvel no Brasil aumentou 40% no ano passado, chegando a 65,6 milhões. Os fabricantes estão trabalhando a plena carga, mas reconhecem a ameaça de ociosidade nos próximos anos. "O risco existe. Vai haver capacidade instalada maior do que a demanda no Brasil", diz o vice-presidente da área de celulares da Motorola, Enrique Ussher. Até agora, o setor está sendo alimentado pelo crescimento da base de assinantes das teles. O mercado de trocas de aparelhos ainda é secundário. Dos 30 milhões de celulares vendidos no país no ano passado, 19,2 milhões foram parar nas mãos de novos assinantes e o restante decorreu de substituições. A capacidade das operadoras de atrair novos clientes é limitada pela má distribuição de renda. Hoje, 36% dos brasileiros têm celular. Analistas e executivos das teles dizem que é possível chegar a um índice de 55% a 60% - o que aconteceria entre 2006 e 2007. Quando esse potencial for atingido, as exportações voltarão a ser uma alternativa, afirma o presidente da Siemens, Adilson Primo. Na telefonia fixa, depois dos pesados investimentos subseqüentes à privatização, havia, no ano passado, cerca de 40 milhões de linhas em serviço no país - 15 milhões a menos do que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) esperava. As operadoras têm quase 10 milhões de linhas em estoque. "Com a tarifa atual, quem não tem telefone não consegue absorver uma linha fixa", diz o presidente da Nec, Paulo Castelo Branco. "Do dia para a noite percebeu-se que aquilo era teto, e não o normal", diz o presidente da Promon Tecnologia, Eduardo Cardoso. Foi uma montanha-russa. Antes da privatização, eram vendidas 1 milhão de linhas telefônicas por ano. Depois de 1998, o número saltou para 800 mil por mês e caiu para 150 mil ao ano em 2001. Para piorar a situação, o setor enfrentou a crise mundial no início da década. Empresas como a Nec optaram pela terceirização das fábricas e passaram a se dedicar à área de serviços. Outras, como a Lucent, resolveram se concentrar em atividades como telefonia móvel e banda larga, diz o presidente da empresa, Wagner Ferreira. A Anatel também superestimou o potencial do mercado de TV por assinatura. Previa que o país teria hoje 10 milhões de clientes, mas o total não chega a 4 milhões. O diretor da Associação Brasileira da TV por Assinatura, Alexandre Annenberg, afirma que o mau desempenho da economia atrapalhou. Mas, ressalta que as empresas, que investiram R$ 10 bilhões, também erraram na previsão. Para Annenberg, as operadoras subestimaram a força da TV aberta e apostaram numa programação distante da realidade nacional. Além disso, as duas principais empresas do setor - Net e TVA - construíram redes sobrepostas nas principais cidades brasileiras. Por outro lado, quando a economia melhora, setores com ociosidade tendem a aproveitar melhor a mudança. No ano passado, as montadoras alcançaram produção recorde de 2,2 milhões de veículos e projetam 2,3 milhões para 2005. "O problema é que passamos sete anos no prejuízo; vamos levar mais sete para recuperar o perdido", diz o presidente do Sindicato da Indústria de Componentes Automotivos, Paulo Butori. "Só é possível entrar para a lucratividade quando se consegue ocupar 85% da capacidade instalada", diz. As autopeças trabalham com ociosidade média de 16%, segundo Butori.