Título: Reforma muda o perfil do STJ
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2005, EU &, p. D1

Ninguém precisa ser especialista em administração financeira para saber que dinheiro é muito melhor quando sobra do que quando falta. A regra básica, que vale para qualquer orçamento doméstico, também pode ser usada pelos investidores que preferem aplicar em ações de empresas com grande potencial de médio e longo prazos. Mas como identificar as empresas que estão com o caixa gordo? A regra é simples. Basta calcular os valores que sobram após o pagamento de juros, impostos, investimentos já determinados, variação do capital de giro e compra ou venda de participações, ou seja, o que sobra de efetivamente líquido e que, potencialmente, poderia ser integralmente distribuído aos acionistas, explica Marco Mello, chefe da área de análises e comercial da corretora Ágora Senior. O indicador que permite visualizar esse potencial apontado por Mello é o chamado "Free Cash Flow Yield" (FCF/Yield), ou seja, a geração de caixa livre sobre o valor de mercado da empresa. "Aqui no Brasil esse indicador ainda é pouco utilizado, mas para nós é um dos mais importantes a ser observado e, por isso mesmo, um dos que mais levamos em consideração na hora de fazer nossas indicações", diz o executivo. Para Mello, o FCF/Yield é importante não apenas porque pode ajudar a apontar excelentes pagadoras de dividendos, mas porque ajuda muito a visualizar movimentos futuros importantes das companhias. "Quando uma empresa está com muito dinheiro em caixa, ela tem algumas opções em vista", explica Mello. "Uma delas é quitar dívidas, a outra é planejar aquisições, ou ainda investir pesado para crescer ", completa ele, lembrando que, se nenhuma das alternativas citadas ocorrer, a empresa deverá passar a distribuir mais lucros. Por conta da observação atenta desse indicador, a equipe de analistas da corretora não se surpreendeu, por exemplo, com o anúncio recente de investimentos de US$ 3,3 bilhões feito pela pela Companhia Vale do Rio Doce. No ano passado, a empresa era uma das que apresentavam um FCF/Yield mais elevado, na casa de 13%, segundo cálculos dos analistas da Ágora Senior. Ou seja, embora a empresa tivesse potencial para distribuir 13%, pagava, na realidade, menos. "Isso indicava que algum destino seria dado para aqueles valores que estavam sobrando." Para este ano, seguindo estes mesmos critérios, as principais recomendações dos analistas da corretora são: Perdigão, CPFL, Braskem, Caemi e CSN. O maior potencial de alta, segundo o estudo da corretora é projetado para a Braskem, que teria espaço para valorização de cerca de 60% em relação ao preço do dia 17 de janeiro. A empresa do setor petroquímico é também a que possui o maior FCF/Yield, de 21,3%. "Ou seja, a geração de caixa livre para 2005 da companhia representa 21,3% do seu valor de mercado, o que pode ser considerado muito atrativo já que o 'dividend yield' projetado para o mesmo período, que é de 6,5%, aponta para um potencial muito inferior à real capacidade de distribuição", explica. Vale lembrar que as estimativas levam em conta as condições de mercado, a procura pelo papel e os resultados esperados. Na avaliação do especialista da Ágora Senior, um outro fator importante a ser considerado é o fato de boa parte dos analistas começar a dar tratamento diferenciado para as empresas que geram caixa livre. Os investidores também começam a aceitar pagar múltiplos superiores à média do seu setor e do mercado. Os analistas que utilizam o FCF/Yield normalmente valorizam mais esse indicador do que P/L ou o EV/Ebtida. O primeiro indica a divisão do preço das ações pelo lucro líquido anual a que cada papel (ou lote) corresponde. O resultado dá uma idéia do número de anos necessários para recuperação do investimento, imaginando-se que a companhia manterá o mesmo lucro e o distribuirá integralmente nos anos seguintes. Na prática, se o P/L é baixo, isso indicaria que a ação estaria custando pouco em vista do lucro. Já o EV/Ebitda é obtido pelo valor de mercado menos a dívida líquida sobre geração de caixa. "Acreditamos que o FCF/Yield é um indicador mais confiável, além de ser determinante da política de dividendos em um conceito de caixa disponível, que é mais utilizado em empresas com elevado nível de governança corporativa", afirma Mello. Entre as empresas que utilizam o indicador está a própria Vale do Rio Doce. Mello alerta, no entanto, para que os investidores fiquem atentos quando as empresas com caixa gordo optem por utilizar o dinheiro em aquisições ou em outras alternativas de investimento. "A partir desse momento, é preciso analisar se este investimento cobre o custo de oportunidade, ou seja, esta pode ser uma fase em que as típicas geradoras de caixa podem apresentar uma grande desvalorização em bolsa." (Colaborou Felipe Frisch) A balança de perdas e ganhos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com a aprovação da Emenda Constitucional nº 45 - que implantou a reforma do Judiciário - pode ser considerada equilibrada. A corte perdeu atribuições jurídicas importantes e deixa de ser meio de passagem de boa parte das demandas judiciais mais comuns, mas ganhou responsabilidades administrativas consideráveis. Para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), a corte perdeu a competência para julgar inúmeras ações referentes a relações de trabalho, como aquelas entre prestadores de serviços e empresas contratantes. Ao Supremo Tribunal Federal (STF) foram transferidos os conflitos causados por leis estaduais e municipais em confronto a normas federais. A perda dessas prerrogativas jurídicas desagradou parte dos ministros do STJ. O tribunal ganhou, porém, três atribuições. A primeira é estritamente burocrática: tratará da homologação de sentenças estrangeiras e cartas rogatórias, atribuições do Supremo até a promulgação da emenda constitucional. A carta rogatória é um instrumento de comunicação entre os tribunais estrangeiros e o brasileiro pelo qual requerem a execução, no Brasil, de decisões interlocutórias. O documento chega ao país por meios diplomáticos e era enviado ao Supremo. Os ministros tinham que analisar questões formais, como a tradução da ordem judicial, e enviar a decisão ao juízo competente para cumprimento. Processo semelhante é o da homologação das sentenças estrangeiras: qualquer decisão judicial de outro país tinha de ser homologada pelo Supremo para ter validade no Brasil. As sentenças estrangeiras julgadas pelo Supremo nos últimos dois anos não passaram de 577 em 2003 e de 603 no ano passado. As cartas rogatórias tiveram volume apenas um pouco superior: 851 analisadas em 2003 e 878 em 2004. Com a transferência de competência para o STJ, o presidente do tribunal, ministro Edson Vidigal, determinou a adoção das mesmas regras de tramitação definidas pelo regimento interno do Supremo até a aprovação de normas internas para a tramitação das cartas rogatórias e das sentenças estrangeiras em seu novo tribunal. A ordem foi divulgada pela Resolução nº 22, publicada no dia 31 de dezembro no Diário da Justiça. Há, no entanto, uma indefinição a respeito do pagamento de custas para a tramitação dessas duas classes processuais. Por princípio e tradição, o STJ não cobra custas. Mas, com o alto valor do envio de processos a outros países, é possível que haja uma exceção para a cobrança nos casos de cartas rogatórias e de sentenças estrangeiras. A resolução publicada por Vidigal suspende o pagamento de custas - fixado pelo Supremo - até a corte decidir sobre o assunto. "Ao fazer referência ao pagamento de custas, o STJ dá mostras de que há uma possibilidade de colocá-lo em prática para esses casos", afirma Luís Sérgio Mamari Filho, advogado do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão (BM&A). O advogado aprovou a alteração do foro de análise das cartas rogatórias e das sentenças estrangeiras. "Todas as medidas que possam fazer com que o Supremo se concentre apenas nas questões centrais do país é importante e positiva", diz Luís Sérgio. E completa: "O STJ, com mais ministros em sua composição, pode exercer com mais eficiência tais atribuições." A advogada Eleonora Pitombo, sócia do Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados, porém, teme que a análise das sentenças estrangeiras possa ser mais lenta no STJ. Segundo ela, quando uma das partes impugna a sentença, o ato é levado para a análise da corte especial do tribunal. Como no STJ o órgão especial é formado por 21 ministros - no Supremo são onze - o tempo deverá ser maior, como acredita Eleonora. "No Supremo uma sentença demorava dois anos para ser homologada, imagine agora no STJ." Apesar disto, ela afirma que a mudança é positiva, pois o Supremo ficará com a análise de questões mais cruciais para o país. E é uma oportunidade de apresentar ao STJ sugestões para melhorar o sistema. A atribuição mais importante levada ao STJ, no entanto, não foi retirada de nenhuma outra corte, mas criada pela reforma do Judiciário. Caberá aos ministros do tribunal decidir sobre a federalização dos crimes contra os direitos humanos. Pelo texto da emenda constitucional, casos de afronta a tratados internacionais ratificados pelo Brasil poderão ter o foro transferido da Justiça estadual para a federal. "Apesar de o STJ perder a atribuição de julgar conflitos de legislações estaduais e municipais em relação às federais, creio que a prerrogativa de decidir sobre a federalização dos crimes contra os direitos humanos é muito importante", diz o secretário especial da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault. A determinação está no inciso 5º do artigo 109 da emenda. O procurador-geral da República poderá suscitar a transferência do caso para análise da Justiça Federal em qualquer fase do inquérito ou do processo. A alteração foi uma forte bandeira do governo federal durante a tramitação da reforma no Congresso e visa retirar os julgamentos da influências das lideranças locais. O presidente do STJ ouviu reclamações dos colegas de tribunal quanto à perda de prerrogativas por parte da corte. "A tramitação de alterações legislativas no Congresso é assim mesmo, um jogo de concessões, onde se fixa alguns objetivos e se abre mão de alguns pontos", defende-se Vidigal. Sobre a perda de poder, o ministro é lacônico. "O poder maior é do Congresso, de fazer emendas à Constituição", diz. Vidigal aponta duas moedas de troca para compensar a perda de algumas prerrogativas. "A Escola Nacional de Magistratura será presidida e coordenada pelo STJ", diz o ministro. Ou seja, passará pelo crivo dos magistrados do STJ a formação de todos os juízes do país. Caberá à escola "regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira", diz o texto da emenda. Apesar de não acreditar na perda de poder por parte do STJ, o ministro Vidigal reclama da transferência da prerrogativa de julgar o confronto entre leis estaduais ou municipais e legislações federais. Para ele, cabe ao STJ ser o guardião da legislação federal, enquanto o Supremo trataria apenas das questões constitucionais. "A mudança mostra o hibridismo do Supremo, que trata de questões constitucionais mas faz incursões no direito federal", afirma Vidigal. (Colaborou Zínia Baeta, de São Paulo)