Título: Emissões já superam desembolso do BNDES
Autor: Vieira, Catherine e Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2007, Finanças, p. C1

O mercado de capitais já financia as empresas em seus projetos de longo prazo, tarefa que no passado cabia basicamente ao Banco Nacional do Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES). Até o fim de julho, as companhias captaram por meio de emissões primárias de ações e debêntures cerca de R$ 32,1 bilhões, de acordo com dados levantados pelo Valor no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), excluídos os dados das captações de "leasing". Esses valores já são ligeiramente superiores aos R$ 31, 2 bilhões desembolsados pelo BNDES em financiamentos para empresas no mesmo período.

Somados os dois mecanismos de capitalização, as companhias obtiveram mais de R$ 63 bilhões em recursos para investir nos primeiros sete meses do ano. "São coisas complementares", diz Maurício Borges Lemos, diretor financeiro do BNDES ao comentar os dois resultados. Ele explica que boa parte dos recursos liberados pelo banco de fomento vão para negócios que não são atendidos normalmente pelo mercado de capitais, como as chamadas operações de pós-embarque na exportação, destinadas a financiar os importadores, como ocorre com os aviões da Embraer e os ônibus da Marcopolo. Outro tipo de operação é a destinada à compra de bens de capital pelas micro, pequenas e médias empresas, por meio da Finame.

Para Pedro Rudge, sócio da gestora de recursos Investidor Profissional, "o mercado de capitais está finalmente exercendo sua principal função, que é a de canalizar os recursos da poupança de longo prazo para os setores produtivos que precisam de investimento para crescer", diz.

Só neste primeiro semestre, apontam dados da Bovespa, nada menos que 45 novas companhias se listaram e recorreram aos recursos dos investidores do mercado por meio de ofertas primárias. No ano passado todo, foram 26 novas empresas.

No entanto, essa movimentação não significou queda de demanda no BNDES, pelo contrário. Segundo Lemos, o banco está, pela primeira vez nos últimos cinco anos, temeroso de que o seu orçamento de R$ 61 bilhões seja ultrapassado pela procura de recursos pelas empresas. "Nós vamos ter que suar a camisa para conseguir executar o orçamento, não estamos folgados de jeito nenhum, estamos dentro do nosso limite, às voltas com uma demanda altamente aquecida", observa Lemos.

Segundo o diretor do banco de fomento, se as atuais turbulências do mercado levarem a uma restrição mais forte na liquidez e os recursos de investidores no mercado de capitais se tornarem mais escassos, o BNDES vai se preparar para atender essas empresas que necessitarem de recursos em operações "mais feijão com arroz", que o mercado de capitais estava conseguindo atender. "Nesse caso, teremos que buscar novas fontes de recursos." O próprio banco, inclusive, foi um dos que recorreu este ano ao mercado. Lemos conta que a recente captação de R$ 1,35 bilhão feita com a emissão de debêntures da BNDESPar em julho já foi toda desembolsada.

Para o sócio da IP, porém, apesar dos solavancos que o mercado vem sofrendo em função da crise no sistema de crédito imobiliário nos EUA, a tendência é que o investidor fique um pouco mais seletivo, mas isso não deve significar uma suspensão das captações. "Essa crise deve trazer os preços para patamares mais realistas, pois os investidores tendem a reavaliar de maneira mais criteriosa os ativos, mas isso é saudável, pois as decisões ficam mais refletidas", acredita Rudge.

Uma boa notícia, sob outro ponto de vista, é que, com os quase R$ 65 bilhões levantados junto ao BNDES e ao mercado de capitais, as companhias brasileiras estão bastante capitalizadas e com fôlego para tocar os projetos de expansão mesmo se ocorrer uma crise mais prolongada.

"Com a liquidez em alta no mercado, o custo de capital ficou muito competitivo, muitos projetos que estavam na gaveta passaram a se mostrar viáveis pois ficou atrativo tomar dinheiro no mercado", conclui Rudge, que acompanha o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro há mais de dez anos.

Até 2004, quando as emissões primárias das companhias começaram a ser retomadas no mercado brasileiro, as empresas praticamente só contavam com o BNDES para financiar também seus projetos de crescimento. A partir de 2005, o total de operações registradas na CVM já começou a superar os recursos oriundos do banco de fomento. Muitos especialistas argumentavam, porém, que esse número total englobava ofertas secundárias e também operações de debêntures do segmento de 'leasing', que estiveram aquecidas no período.

Nas operações primárias, as companhias captam para investir no desenvolvimento do negócio, seja por meio de aquisições, novas plantas, expansão da capacidade ou até abatimento ou barateamento de dívidas. Já nas ofertas secundárias, o dinheiro vai para o bolso do acionista que está vendendo sua participação ao mercado. Em 2007, ao contrário dos anos anteriores, o volume de ofertas de ações primárias tem sido o maior entre todas as modalidades de captação registradas na CVM. Antes, o segmento de debêntures costumava ser o primeiro.