Título: Tom presidencial dá a medida da crise
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2007, Política, p. A8

Lula e as "Margaridas", na quarta-feira, em Brasília: "Sei que tem muita gente incomodada e vão se incomodar muito mais, porque nós vamos fazer muito mais" O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aumentou, no último mês, o tom de seus discursos, desferindo ataques às "elites" e contrapondo-as aos pobres. Trata-se da mesma estratégia adotada durante a campanha eleitoral, quando, acuado pelas denúncias de corrupção contra seu governo e seu partido, o presidente recorreu ao apoio que tem nos movimentos sociais e nas camadas mais pobres da população.

Assessores e ministros de Lula informam que não há uma estratégia política delineada, apenas uma resposta intuitiva do presidente às vaias recebidas nos Jogos Panamericanos, ao Movimento Cansei, organizado pela elite paulistana, e às críticas recebidas pelo governo diante da demora em apresentar uma resposta à crise aérea, agravada pela tragédia do vôo 3054 da TAM.

O primeiro sinal foi dado durante o lançamento do PAC Saneamento e Urbanização de Mato Grosso, no dia 31 de julho. Em discurso, o presidente destacou a necessidade de investimentos em saneamento básico para a população mais pobre. Ao responder às críticas de que estava fazendo um evento em um lugar fechado para não ser vaiado pelos opositores, respondeu: "Não estou fazendo comício. Mas, se alguns quiserem brincar com a democracia, eles sabem que ninguém nesse país sabe colocar mais gente nas ruas do que eu".

Mais adiante, o presidente retomou o discurso da ética pessoal. "Se alguém acha que, com estupidez, vai atrapalhar que a gente faça nesse país o que precisa ser feito, pode tirar o cavalo da chuva, porque não conheço um deles que tenha uma biografia que lhe permita sequer falar em democracia nesse país - e eu conheço muitos deles", desafiou.

Durante a inauguração da Unidade de Ensino Descentralizado de Congonhas (Minas), Lula afirmou que "tem gente que fica horrorizada quando o governo cuida dos mais necessitados, porque, habitualmente, o Brasil era governado para uma pequena elite que tinha acesso à universidade". O último exemplo dessa elevação de tom aconteceu na quarta-feira, durante encerramento da Marcha das Margaridas (Movimento das Trabalhadoras Rurais), em Brasília. "Sei que tem muita gente incomodada e vão se incomodar muito mais, porque nós vamos fazer muito mais".

No mesmo discurso, Lula demonstrou contrariedade com as críticas de que aquela manifestação havia sido patrocinada pelo governo. "O Brasil não está habituado a isso. Se fossem mulheres e homens de outros segmentos da sociedade, de maior posse, isso seria visto como uma coisa normal. Afinal de contas, as pessoas podem pagar passagem para vir de avião e podem vir de carro", comparou.

Amparado por elevados índices de popularidade - segundo a última pesquisa CNI/Ibope, realizada em junho, 70% da população com renda familiar mensal até dois salários mínimos aprova o governo -, Lula usa esse fato como blindagem nos momentos em que o cenário político não lhe é favorável. Foi assim durante o mensalão, quando ele começou a viajar pelo país enquanto seu governo era acusado de corrupção em Brasília. Durante a campanha eleitoral, quando a oposição resolveu retomar o discurso da ética, cobrando especialmente a origem do dinheiro dos "aloprados" (petistas envolvidos na fabricação de um falso dossiê contra o PSDB), Lula viajou pelo país dizendo que a "elite golpista" queria derrubá-lo, mas que os pobres tinham aprendido a votar e a andar com as próprias pernas.

"Lula usa muito bem esse artifício. É uma estratégia política e pragmática", comenta o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. O ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, sustenta que não há uma estratégia de governo definida, mas reconhece que se trata de uma reação-padrão do presidente. "Isso precisa ser encarado dentro de um contexto, é um recado, uma resposta do presidente aqueles que tentam desestabilizar seu governo", diz Walfrido, acrescentando que a elevação do tom não veio para ficar. "Não é regra: o discurso atual mais forte do presidente é econômico, com a arrumação da casa para resistir às crises internacionais."

Fleischer lembra que, da mesma forma com que Lula "sacou da manga" essa estratégia, ela poderá ser utilizada novamente durante a campanha eleitoral de 2008 e, quiçá, 2010. "É um recado de Lula para seu eleitorado e um bom mote para quem quiser colar-se ao petista durante a campanha municipal e à sucessão presidencial daqui a três anos e meio", acredita o cientista político.

Um assessor do staff presidencial rebate a tese de que o presidente queira estimular a divisão de classes no país. Afirma que Lula sempre teve um discurso específico para os mais humildes, favorecido pelo seu carisma junto a essa camada da população. Lembra que, especificamente no discurso para as mulheres trabalhadoras do campo, Lula estava em um cenário muito semelhante ao de um comício. "Há muito tempo ele não falava para tanta gente", lembra o assessor. Mais do que uma cisão, o aliado acredita que Lula quer pontuar o que pretende deixar como um legado: "Ele quer diferenciar seu governo como aquele que implementou a justiça social no país", observa