Título: Impacto da crise de energia na indústria supera as previsões
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2007, Internacional, p. A11

Os efeitos da crise de falta de energia sobre a indústria argentina em julho foram piores do que previam os analistas mais pessimistas. A atividade industrial do país cresceu apenas 2,3% no mês passado comparado a 5% em junho e 6,3% em maio. Os dados constam do último informe do indicador Estimativa Mensal Industrial (EMI), calculado pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec, equivalente ao IBGE brasileiro), divulgado sexta. Analistas vinham projetando uma queda para 4,5% a 5,5%.

A indústria argentina já está no 64 mês consecutivo de expansão, acumulando 48,1% de crescimento desde a grande crise de 2002. De lá para cá, a atividade industrial vem se expandindo a uma taxa anual média de 7,6%, segundo cálculos da Fundação de Pesquisas Econômicas Latinoamericanas (Fiel).

Julho foi o pior mês para o setor industrial em muitos anos. O problema é que a base instalada de geração de energia (eletricidade, gás e petróleo) do país não dá conta de tamanha demanda gerada pelo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), que vem avançando ao ritmo de 8% a 9% ao ano desde 2003. No ano passado, o PIB cresceu 8,2%.

Quando o inverno chegou este ano, com uma força que não se via há quase meio século, ficou claro que não haveria energia para todos e o país estava próximo de um apagão. O governo decidiu então cortar eletricidade e gás das indústrias, mantendo o abastecimento das residências e dos serviços essenciais.

Por intermédio das distribuidoras, chegavam ordens do Ministério do Planejamento para que as empresas parassem as máquinas durante seis horas diárias para economizar 1.200 MW. Representante do ministério garantiu que a partir de hoje estarão suspensas todas as restrições, que começaram a ser levantadas gradualmente a partir de 13 de agosto, com a elevação das temperaturas em todo país.

A restrição no abastecimento de energia afetou mais fortemente os setores de uso intensivo de gás e eletricidade, como as indústrias siderúrgica e petroquímica. A produção de aço caiu 26,2% comparada a julho de 2006. A de produtos químicos básicos, matérias-primas plásticas e agroquímicos caiu 38,5%, 38,3% e 25,2% respectivamente. Outras indústrias afetadas foram a têxtil, em que a produção de fibras sintéticas desabou 50%.

A automobilística, uma das que mais crescem, avançou 17%, o que é menos da metade do ritmo de 30% a 40% mensais que vinha registrando desde 2006.

Para não admitir um resultado tão ruim - já que tampouco admite a crise energética - o presidente Néstor Kirchner determinou ao Indec a divulgação de dois resultados do EMI, um com a indústria siderúrgica, outro sem. Os 2,7% contabilizam a derrubada da produção de aço. Sem este efeito, o EMI de julho ficou em 5,1%, mais próximo, portanto, da medição do mercado.

No entanto, o comunicado do Indec ignora a crise energética e informa que a indústria siderúrgica foi afetada pela paralisação de uma das maiores empresas do setor, propositadamente para a entrada em atividade de uma nova unidade industrial.

Para o economista Manuel Solanet, da consultoria Infupa, a crise energética teve um importante efeito mas não será o único fator a determinar o crescimento menor da economia argentina em 2007 que, segundo seus cálculos, ficará entre 6% e 6,5% comparado a 8,5% de 2006. "O índice de produção industrial de julho também foi influenciado pela queda do setor de construção civil", afirma Solanet.

Os setores que mais contribuíram positivamente para o EMI no mês passado foram os relacionados ao consumo. Segundo o Indec, a produção cresceu em detergentes e sabões (23,2%); produtos farmacêuticos (20,6%); automóveis (16,9%); gases industriais (14,6%) e petróleo processado (10,2%).

Na lista das mais prejudicadas pela falta de energia, a indústria petroquímica do país tem o Brasil como um dos maiores clientes de suas exportações. O setor está em plena fase de maturação de investimentos de US$ 2 bilhões realizados no final dos anos 90, início de 2000, e tem novos projetos em carteira, mas depende de uma oferta segura de gás para levá-los adiante.

Como o tema é delicado e o governo Kirchner não admite críticas dos empresários, nenhum representante destas empresas quis dar entrevistas quando procurados pelo Valor. Mas em uma publicação especializada e de circulação restrita, a newsletter "Petroquímica, Petróleo, Gás e Química", foi publicado que a câmara que reúne as indústrias do setor, a CIPYQ, enviou um documento ao Ministério da Economia, dizendo que entre os dias 28 de maio e 25 de junho, as empresas deixaram de faturar US$ 100 milhões como resultado da paralisação por seis horas diárias da produção.