Título: Os pobres mais saudáveis
Autor: Sachs, Por Jeffrey D.
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2007, Opinião, p. A13

A expectativa de vida nos países mais ricos do mundo está em 78 anos, enquanto nos países menos desenvolvidos ela está em apenas 51 anos, e em meros 40 anos em alguns países africanos assolados pela Aids. Para cada mil crianças nascidas em países ricos, sete morrem antes do seu quinto aniversário; para cada mil nascimentos nos países mais pobres, 155 crianças morrem antes de completarem cinco anos.

Essas mortes não representam apenas tragédias humanas, elas também são calamidades para o desenvolvimento econômico, que reduzem sistematicamente o crescimento econômico e ajudam a manter os países mais pobres presos na miséria. Um número crescente de programas ao redor do mundo, porém, está provando que as mortes e as doenças dos pobres podem ser reduzidas radicalmente e velozmente com investimentos pontuais em programas de saúde pública.

Grandes vitórias foram obtidas nos anos recentes através do Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária. O Fundo, criado há seis anos, ofereceu financiamento a mais de 130 países para intensificarem seus programas contra essas três enfermidades letais. Desde então, os programas do Fundo Global ajudaram quase um milhão de africanos a receber medicamentos anti-retrovirais para tratamento da Aids, financiou a distribuição de cerca de 30 milhões de mosquiteiros para combater a malária e deu apoio ao tratamento de aproximadamente dois milhões de pessoas com tuberculose.

A malária pode ser mantida sob controle decisivo através de mosquiteiros de camas, da pulverização de inseticidas em ambientes fechados e da fabricação de medicamentos oferecidos gratuitamente às pessoas pobres em povoados propensos à malária. Em apenas dois dias no ano passado, o governo do Quênia distribuiu mais de dois milhões de mosquiteiros para camas. Programas de distribuição em massa semelhantes também foram implantados na Etiópia, Ruanda, Togo, Níger, Gana e outros lugares. Os resultados são impressionantes. Os pobres usam os mosquiteiros de forma eficaz, e o fardo da malária declina rapidamente.

Da mesma forma, uma campanha liderada pelo Rotary International e vários associados praticamente erradicou a pólio. O número de casos ao redor do mundo a cada ano agora beira a casa das centenas, na comparação com dezenas de milhares, quando a campanha começou. O sucesso está sendo obtido mesmo nos lugares mais remotos e difíceis, como os Estados arruinados pela pobreza do norte da Índia.

Com efeito, a Índia está fazendo muito mais com sua impressionante Missão Nacional para a Saúde Rural (MNSR), que é a maior mobilização isolada de medidas de saúde pública no mundo. Um número assombroso de meio milhão de mulheres foi contratado recentemente como agentes comunitárias de saúde para criarem vínculos entre as famílias pobres e os postos de saúde públicos e os hospitais, que estão sendo aprimorados, e para aumentar o acesso das mulheres ao atendimento obstetrício de emergência para evitar mortes trágicas e desnecessárias no parto.

-------------------------------------------------------------------------------- Os pobres morrem de causas conhecidas e identificáveis que em grande parte podem ser evitadas e tratadas a um custo muito baixo --------------------------------------------------------------------------------

Outro sucesso extraordinário na Índia é a assistência domiciliar segura prestada a recém-nascidos nos primeiros dias de vida. Atualmente, um número alarmante de recém-nascidos morre de infecções, de impossibilidade de amamentação materna nos primeiros dias ou de outras causas evitáveis. Através da capacitação das agentes comunitárias de saúde, a MNSR obteve uma redução admirável nas mortes de recém-nascidos nos povoados indianos.

Todos esses programas desmentem três mitos amplamente aceitos. O primeiro é que o fardo da doença entre os pobres seria de certa forma inevitável e inescapável, como se os pobres estivessem fadados a adoecer e morrer prematuramente. Na verdade, os pobres morrem de causas conhecidas e identificáveis que em grande parte podem ser evitadas e tratadas a custo muito baixo. Não há desculpa para as milhões de mortes causadas pela malária, Aids, poliomielite, sarampo, diarréia ou infecções respiratórias, ou para que tantas mulheres e crianças morram durante ou após o no parto.

O segundo mito é que a ajuda dos países ricos é inevitavelmente desperdiçada. Essa falácia é repetida tão freqüentemente por líderes ignorantes nos países ricos, que se tornou uma importante barreira ao progresso. Os ricos gostam de culpar os pobres, em parte porque isso reduz a pressão sobre eles e em parte porque isso lhes confere uma sensação de superioridade moral. Os países pobres, porém, são capazes de estabelecer programas de saúde pública eficazes velozmente quando são ajudados. Histórias de sucesso recentes se tornaram possíveis através de uma combinação de aumento nos gastos dos orçamentos dos países pobres, complementados com ajuda vinda dos países ricos doadores.

O terceiro mito é que salvar os pobres piorará a explosão populacional. Mas as famílias nos países menos desenvolvidos têm muitos filhos - uma média de cinco por mulher - em parte porque o temor das altas taxas de mortalidade infantil os leva a adotar uma reação exagerada, compensando com a constituição de famílias grandes. Quando as taxas de mortalidade infantil caírem, as taxas de fertilidade tenderão a declinar ainda mais, já que agora as famílias confiam que seus filhos sobreviverão. O resultado será crescimento populacional mais lento.

Chegou a hora de cumprir uma promessa global básica - a de que todos, ricos e pobres - devem ter acesso a serviços de saúde básicos. Se apenas 0,1% da renda do mundo rico fosse dedicada a serviços de saúde salvadores de vidas para os pobres, seria possível elevar a expectativa de vida, reduzir a mortalidade infantil, salvar mães no parto, diminuir o crescimento populacional e impulsionar o crescimento econômico por todo o mundo pobre.

As histórias de sucesso na saúde pública para os pobres estão se multiplicando. Considerando-se o baixo custo e os enormes benefícios decorrentes do apoio dado a essas iniciativas, não existe nenhuma desculpa para a inação.