Título: Corrida de obstáculos
Autor: Zaparolli, Por Domingos
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2007, Micro e Pequenas Empresas, p. F1

As exportações brasileiras de softwares crescem de forma significativa. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES), em 2006, o país exportou US$ 247 milhões em softwares e serviços, 39,7% a mais que em 2005. Neste ano, a expectativa é repetir o ritmo de crescimento, chegando próximo a US$ 350 milhões. Mesmo assim, o volume exportado ficará longe da meta estabelecida em 2004 pelo governo federal para o setor. O objetivo era vender US$ 2 bilhões em 2007.

Outra meta anunciada pelo governo é a de ampliar a base exportadora, incentivando as pequenas empresas a buscarem o mercado externo. Mas, por enquanto, a participação destas empresas no esforço exportador é incipiente.

José Curcelli, presidente da ABES, avalia em menos de 10% do total o volume exportado por médias e pequenas empresas. "Exportar demanda estratégia e fôlego financeiro. Não há incentivo. São poucas as pequenas empresas que conseguem", diz o executivo.

José Antônio Antonioni, coordenador geral da Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex), trabalha com números diferentes de comércio exterior. A estimativa da associação é de que as exportações tenham atingido US$ 700 milhões em 2006, podendo alcançar US$ 800 milhões em 2007. A divergência tão grande de números se dá, segundo fontes do setor, porque a Softex inclui na sua contagem os softwares embarcados, como são chamados os programas inseridos em celulares e outros aparelhos móveis. O executivo da Softex concorda com a associação, no entanto, em que é muito baixa a participação das pequenas e médias empresas no esforço exportador.

Curcelli e Antonioni são unânimes ao avaliar que a presença brasileira no comércio mundial de softwares e serviços está aquém do potencial. O país registra resultados inferiores aos de países como China, Rússia ou México. A Índia, por exemplo, exportou US$ 18 bilhões em softwares em 2006.

Segundo os dois executivos, os desenvolvedores de softwares brasileiros possuem algumas vantagens competitivas, que deveriam garantir ao país uma boa colocação no mercado mundial. Entre elas, criatividade, capital intelectual e facilidade para desenvolver soluções adequadas para diferentes culturas, devido à plural formação étnica de sua população.

O Brasil, que tem um mercado de software de US$ 9,02 bilhões, o 13º maior do mundo, detém know-how avançado em softwares voltados para o setor financeiro, seguradoras, varejo, gestão empresarial e governo eletrônico, como os desenvolvidos para o imposto de renda eletrônico e as eleições.

Mas os obstáculos no caminho do exportador brasileiro são altos. Curcelli e Antonioni apontam a elevada carga tributária, na casa dos 32% no setor, e os encargos que incidem sobre a folha de pagamentos, dispêndio responsável por aproximadamente 70% do custo de um software, como os principais entraves que os empresários enfrentam.

"Enquanto tributamos, nossos concorrentes diretos no mercado externo, Índia, China, Argentina e México concedem isenção de impostos para quem exporta", afirma Antonioni.

Outra barreira é a falta de mão-de-obra qualificada. A estimativa é de um déficit de 20 mil profissionais e a expectativa é que este número chegue a 100 mil até 2010. Softex e ABES, no momento, estão empenhadas em desenvolver programas para apoiar a formação de pessoal qualificado. Mas as ações ainda são embrionárias.

As pequenas empresas, segundo Curcelli, ainda enfrentam dificuldade em prospectar mercados, promover seus produtos no exterior e estabelecer uma estratégia para garantir entregas e suporte técnico ao cliente estrangeiro.

As empresas brasileiras também falham ao não buscar um reconhecimento internacional da qualidade no processo de desenvolvimento de softwares. Em 2006, segundo o Ministério de Ciências e Tecnologia, apenas 21 empresas do país possuíam uma avaliação CMMI (Capability Maturity Model Integration), a principal referência de qualidade do setor, enquanto que, em 2002, já havia 153 empresas indianas avaliadas, 103 no Reino Unido e 1,5 mil nos Estados Unidos.

Segundo Antonioni, o que limita o acesso das empresas brasileiras ao CMMI é o alto investimento necessário. Chegar ao topo nos cinco níveis de avaliação do CMMI, segundo informações do mercado, pode exigir gastos de até US$ 400 mil.

A Softex criou uma alternativa, o programa MPS.BR, que adota metodologia compatível com o CMMI, e já avaliou 40 empresas. O problema é que o programa não é reconhecido internacionalmente. "É uma etapa. Quem tem o MPS.BR não tem dificuldade em avançar para o CMMI", diz o executivo.

André Limp, gestor de projetos de TI da Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), informa que a agência está empenhada em reduzir alguns dos gargalos que dificultam as exportações brasileiras do setor. As ações desenvolvidas, segundo Limp, concentram-se nas áreas de inteligência comercial, prospectando oportunidades de negócios, e na tarefa de promoção das empresas brasileiras no exterior.

Com este objetivo, a Apex estabeleceu uma parceria com a Softex em 2005 no Projeto Setorial Integrado para Exportação de Software e Serviços Correlatos (PSI-SW). Até o final de 2006, a iniciativa apoiou 109 empresas que participaram de 21 eventos internacionais e exportaram US$ 57 milhões. O programa, que foi renovado para o biênio 2007/2008, tem como meta ampliar em 40% seu número de participantes.

Limp avalia, porém, que as ações só devem apresentar resultados significativos a médio e longo prazos. "No momento, estamos apresentando as empresas brasileiras ao comprador estrangeiro. Nosso desafio é quebrar barreiras e posicionar o Brasil como um fornecedor confiável de tecnologia", afirma o executivo.

Neisan Monadjen, diretor da E-Safetransfer, especializada em tecnologia Smart Card e fidelização, também acredita que o principal entrave às exportações de softwares está relacionado à falta de reconhecimento das empresas brasileiras como celeiros de competência técnica. Em sua opinião, um erro estratégico das missões brasileiras no exterior, é vender "brasilidade", enquanto o foco deveria ser a tecnologia. "Atraímos mais curiosos sobre futebol, praia e Carmem Miranda que compradores em nossos estandes", afirma.

A experiência internacional de Monadjen foi iniciada como sócio fundador do consórcio Next, formado no final de 2002 por 15 pequenos e médios desenvolvedores de softwares com o objetivo de abrir uma empresa nos Estados Unidos para representar o produto brasileiro. Mas o grupo se dissolveu três anos depois, após o BNDES, em 2005, condicionar um financiamento de US$ 120 milhões para a empreitada a uma fusão das empresas envolvidas, fato que contrariou os interesses de parte dos associados.

Monadjen, porém, adotou na E-Safetransfer a estratégia de abrir uma empresa nos Estados Unidos, com executivos locais, para trabalhar o mercado americano. Recentemente, conquistou seus dois primeiros clientes: um hospital em Boston e uma empresa de marketing na Flórida. No momento, o executivo dedica-se ao desenvolvimento de parcerias com empresas na França e no Japão, onde seus produtos já estão em período de testes.

Na P3D, empresa fundada em 2004 e que em janeiro último conquistou a graduação na Incubadora de Empresas Tecnológicas da Universidade de São Paulo, é o ineditismo de seu software educacional que desperta o interesse dos compradores internacionais. É o primeiro software não linear, com imagem em 3D em tempo real, sem voz, nem texto para a projeção em lousas eletrônicas. O software apresenta, por exemplo, o corpo humano, o sistema solar ou o mapa mundi.

"É uma ferramenta de apoio ao professor, compatível com qualquer metodologia de ensino em qualquer língua", diz Mervyn Lowe, sócio e diretor administrativo da P3D. O empreendedor participa de missões do programa PSI-SW, mas também apostou na abertura de um escritório no exterior, em Barcelona. Foi na cidade espanhola, em 2006, que conquistou seu primeiro contrato internacional.

Em um ano, a P3D ampliou sua carteira de clientes na Espanha e expandiu suas vendas para Portugal, Inglaterra, Finlândia, Porto Rico e Índia. A expectativa em 2007 é faturar US$ 100 mil no exterior, o dobro do registrado em 2006. No próximo ano, a meta é entrar no mercado americano e faturar US$ 300 mil no exterior.

A estratégia de Lowe é internacionalizar sua empresa nos próximos anos. "Vamos manter a área de desenvolvimento no Brasil, onde contamos com bons profissionais. Mas, para ser competitiva, a operação não pode carregar o ´custo´ Brasil", afirma.