Título: Argentina quer renovar o acordo sobre automóveis
Autor: Raquel Landim e Francisco Goés
Fonte: Valor Econômico, 27/01/2005, Brasil, p. A4

A Argentina quer prorrogar, por um prazo razoável de tempo, o regime automotivo, que regula o comércio de veículos e autopeças com o Brasil. O acordo está previsto para expirar no fim do ano. O governo argentino argumenta, porém, que é necessário mais tempo para "recompor os investimentos automotivos" no país. Como o setor representou sozinho por 18% do comércio dentro do Mercosul em 2004, essa será uma das questões mais sensíveis na relação entre Brasil e Argentina nos próximos meses. Segundo fontes do setor privado, os dois países já estão em negociações e pretendem resolver o impasse até maio. "Qualquer esquema que armemos não será simplesmente por alguns anos. É necessário que seja um esquema evolutivo, que vá se acomodando em função do desaparecimento progressivo da disparidade", disse o secretário da Indústria e Comércio da Argentina, Alberto Dumont, em entrevista ao Valor, no Rio. Dumont negou-se a revelar por quanto tempo a Argentina gostaria de prorrogar o regime, mas sinalizou que os investimentos no setor automotivo podem levar de quatro a cinco anos para maturar. Ele acrescentou que está animado com a recuperação do setor automotivo na Argentina por conta de investimentos "importantes" divulgados por Peugeot, Volkswagen e General Motors. O funcionário do governo argentino disse que não é necessário manter o regime automotivo da forma como está. "Não há razão para que as empresas que estão investindo de maneira adequada nos dois lados encontrem um regime que represente uma amarra". O secretário-executivo do ministério do Desenvolvimento do Brasil, Márcio Fortes de Almeida, não quis comentar as declarações de Dumont. Fortes disse que foi constituído um grupo técnico dentro da Comissão de Monitoramento do Comércio Brasil-Argentina com o objetivo de estudar toda a política automotiva e formular sugestões. "Esse tema (o automotivo) estava paralisado e nós o retomamos na comissão. Agora vamos aguardar as conclusões do grupo para que sejam feitas as devidas recomendações às instâncias superiores de decisão", avaliou. Coordenam os trabalhos do grupo técnico sobre a política automotiva no Mercosul o subsecretário de indústria e comércio da Argentina, Raúl Dejean, e Paulo Sérgio Bedran, do Ministério de Indústria e Comércio (Mdic). A Argentina também está preocupada com o motor flex fuel, tecnologia desenvolvida no Brasil que permite o uso tanto da gasolina quanto do álcool em um veículo. O temor do vizinho é que a tecnologia seja tão disseminada no Brasil que se torne uma barreira à entrada de carros e motores argentinos. Desde a fundação do Mercosul, o comércio automotivo é regulado pelos governos. A última renovação do acordo ocorreu em 2002, quando foi estabelecido que as exportações para a Argentina não podem superar as importações em mais de 2% ou vice-versa. Esse percentual subiu gradativamente até chegar a 2,6% neste ano. O regime também diz que é necessário 20% de conteúdo argentino nos veículos e autopeças exportados para o Brasil. Esse percentual caiu até atingir 5% neste ano. A julgar pelos dados até outubro (o fluxo de comércio por setores e por país ainda não foi divulgado), as exigências do acordo parecem não ter sido cumpridas. Nos primeiros dez meses do ano, as exportações do setor automotivo brasileiro para a Argentina somavam US$ 2,28 bilhões, mais que o dobro dos US$ 923 milhões importados, segundo dados da Secretária de Comércio Exterior (Secex) compilados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Os compromissos são avaliados empresa por empresa e quem não respeitar o acordo teoricamente teria que pagar a Tarifa Externa Comum (TEC) de 35% para veículos. Para Dumont, o setor automotivo é um "bom exemplo" de como os investimentos nos dois países se desequilibraram com a transferência de fábricas para o Brasil. Em 2000, o Brasil importou da Argentina US$ 1,7 bilhão em veículos e peças e importou o mesmo montante. A Argentina obteve superávits de US$ 600 milhões em 2001 e US$ 500 milhões em 2002. Em 2003, foi a vez do Brasil de ter superávit de US$ 700 milhões. A Argentina está pedindo ao Brasil uma maior regulação na questão dos investimentos em vários setores. Mas o setor privado brasileiro teme tal interferência. Fatias do empresariado brasileiro fazem críticas ao protecionismo argentino e argumentam que o país atrapalha o Brasil nas negociações internacionais. Alfredo Chiaradía, secretário de relações internacionais da Argentina, rebate as acusações. Ele afirma que as demandas dos países desenvolvidos estão mais ligadas a serviços, investimentos e propriedade intelectual, áreas onde a Argentina está apta a negociar. Segundo ele, a posição negociadora dos dois países é harmônica. "Eu não vou dizer que o Brasil atrapalha a Argentina, assim como espero que ninguém diga que nós atrapalhamos".