Título: Estratégia é retomada para garantir receita sem reforma
Autor: Lyra,Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 21/08/2007, Política, p. A6

Quatro anos depois, o governo repete a mesma estratégia adotada em 2003, primeiro ano do mandato de Lula: mistura, no Congresso Nacional, os debates da reforma tributária e da prorrogação da CPMF, jogando a primeira como uma isca para aprovar a segunda. O mecanismo adotado é que difere um pouco: em 2003, a prorrogação da DRU e CPMF veio embutida na PEC 041, que propunha uma nova legislação para o Sistema Tributário Nacional. A reforma tributária não avançou, mas o Planalto conseguiu promulgar, no dia 27 de dezembro daquele ano, o que realmente desejava: a continuidade da Desvinculação de 20% das suas Receitas por mais quatro anos, bem como a permanência da cobrança de 0,38% em todas as movimentações financeiras, por mais quatro anos.

Este ano, o Executivo encaminhou a PEC 050 no dia 23 de abril, propondo a prorrogação da DRU e da CPMF até 2011. E sinaliza o encaminhamento, até o início de setembro, de um novo modelo de reforma tributária. "Ousada", segundo o ministro da coordenação política, Walfrido dos Mares Guia. Um adjetivo que não empolga o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), amparado no histórico de propostas econômicas articuladas pelo governo Lula. "As poucas matérias econômicas encaminhadas por esse governo ao Congresso - a primeira reforma tributária, a Lei das Agências Reguladoras, a Lei do Gás e a Lei da Concorrência - não prosperam porque eles próprios não se entendem e não têm firmeza em suas convicções", avalia Madeira.

A reforma tributária de 2003 chegou ao Legislativo no dia 30 de abril, de forma estrepitosa: Lula e os 27 governadores foram a pé, do Planalto ao Congresso, apresentar a PEC aos então presidentes, deputado João Paulo Cunha (PT-SP) e o senador José Sarney (PMDB-AP). No dia 4 de setembro daquele ano, a prorrogação da CPMF foi aprovada junto com a emenda global substitutiva e a continuidade da DRU, em um destaque apresentado pelo Prona.

Quando o texto constitucional chegou à CCJ do Senado, as duas iniciativas foram desvinculadas do bojo da reforma tributária, passando a ter tramitação própria. A reforma tributária consistente começava a ficar para trás. No final de 2003, junto com outros oito pontos consensuais, a prorrogação da DRU e da CPMF foram promulgados pelo presidente Lula.

O secretário-adjunto de Tributação do Rio Grande do Norte, Izenildo Ernesto de Castro, lembra que a famosa foto de 2003, reunindo Lula e os governadores, abraçados, no plenário da Câmara, foi "para inglês ver". Izenildo afirma que a histórica divisão dos governadores em torno da reforma tributária acabou ajudando o Planalto a restringir seu campo de atuação apenas à prorrogação da DRU e da CPMF. "Teve governador que apoiou aquela reforma sem saber ao menos do que se tratava. Só se deram conta das armadilhas que a proposta embutia quando retornaram aos Estados e foram alertados pelos secretários de finanças", lembrou o secretário.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, o fato de, neste ano, o governo ter mandado a emenda constitucional da DRU e da CPMF antes da reforma tributária é mais sintomático. "Sabiam que se mandassem tudo junto não daria tempo de prorrogar a CPMF. Não queriam correr esse risco", afirmou. Ziulkoski teme que, mais uma vez, a reforma tributária fique de lado. "Assim que o governo aprovar o que deseja, sabe lá o que vai acontecer com a reforma tributária", questiona.

O vice-líder da minoria, José Carlos Aleluia (DEM-BA), garante que a União e os governadores vão, juntos, enterrar a reforma tributária. "Ninguém quer perder nada, são mercadores de Veneza. Reforma tributária de soma zero não existe. Se todos os entes federativos saírem ganhando - União, Estados e municípios - pode apostar que o cidadão estará perdido", declara Aleluia.

Os líderes governistas admitem as dificuldades, reconhecendo que o envio das duas propostas de maneira quase simultânea torna inevitável a avaliação de que a equipe econômica tenta fazer uma barganha com oposição, governadores e prefeitos para, simplesmente, continuar descontando 0,38% de todas as movimentações financeiras ocorridas no Brasil. Até o argumento que enfatiza o temor com a crise financeira internacional é copiado de outros processos de aprovação de projetos do interesse do governo no Congresso. Mas esforçam-se para tentar apagar essa má impressão. "A tramitação da CPMF é um desaguadouro de ressentimentos e negociações", declarou o líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro (PTB-PE).

Ele defende a estratégia do governo de transformar a reforma tributária no foro ideal para negociar com os governadores e os prefeitos. "A reforma tributária é muito maior que a CPMF. Se todo mundo despejar suas mágoas agora, aí que a reforma tributária não anda mesmo", completou o líder governista. Um outro aliado governista no Congresso lembra que o Lula de 2003 estava preocupado com a reeleição, tema ausente do seu horizonte neste momento. "Lula quer agora reforçar sua biografia. Se ele completar a reforma tributária, será um feito e tanto", disse o parlamentar.

Para o vice-líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR) - que em 2003 era um oposicionista ferrenho ao governo Lula - o momento é outro. Ele não arrisca afirmar que a reforma tributária será aprovada, mas lembra que a coalizão governamental atual é muito mais sólida. "Todas as decisões são tomadas em conjunto, o que auxilia na hora de se contar os votos".

Um outro parlamentar da base aliada endossa o argumento. "Em 2003, o PT tomava uma decisão a portas fechadas e depois empurrava para os demais aliados. Agora, todos discutem juntos", confirmou o deputado.

Um assessor do presidente Lula afirma que, mais do que um novo momento político, o contexto da economia mudou em quatro anos. Ao chegar ao poder, o PT adotou uma postura ortodoxa, de aumento de superávit e juros e a implementação de um contingenciamento brutal para o projeto de desenvolvimento do país. Com isso, havia pouco espaço para qualquer tipo de negociação com os governadores fora dos termos contidos na proposta da reforma tributária. "Com a nova realidade fiscal brasileira, temos um cenário mais propício para definir modelos de compensação para Estados e municípios".