Título: Cenário de inflação está menos benigno
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2007, Brasil, p. A3

O cenário para a inflação deixou de ser tão benigno como o que se projetava há algumas semanas. Os alimentos têm sido e devem continuar a ser as principais causas para as elevações mais fortes dos índices de preços, mas outros fatores também começam a empurrar os indicadores para cima. Para alguns analistas, a demanda aquecida já abre espaço para reajustes de preços um pouco mais significativos. Isso aparece em segmentos da economia mais sensíveis à aceleração da atividade, como bens duráveis e serviços, movimento que já teria se refletido na alta de 0,42% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15) de agosto. As previsões para o IPCA em 2007, que estavam em 3,5% em junho, pularam para 3,7% em julho e estão atualmente na casa de 3,9%.

O economista Otávio Aidar, da Rosenberg & Associados, ressalta que os preços de alimentos seguem em "forte aceleração". Nos 12 meses terminados em agosto, o grupo alimentação e bebidas do IPCA-15 acumula variação de 8,83%. No mesmo mês de 2006, o indicador registrava deflação de 0,53%. As cotações do leite pasteurizado já subiram 52,15% neste ano, de acordo com o IPCA-15 - só em agosto a alta foi de 13,91%, um movimento em grande parte influenciado pela disparada do produto no mercado internacional. Essa pressão atinge em cheio os derivados: em agosto, os preços do iogurte aumentaram 5,31%.

Para os economistas do Bradesco, nas próximas divulgações do IPCA o leite deve deixar de exercer uma influência de alta sobre o indicador, mas os derivados do trigo e as carnes devem seguir pressionando o grupo alimentação. Segundo a RC Consultores, as cotações do trigo no atacado subiram 3,5% na semana passada. "A pressão mais forte sobre os alimentos deve continuar por um bom tempo. Há um choque de oferta vindo de produtos como trigo, milho e soja, que têm uma cadeia extensa no IPCA", afirma o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ontem, foi divulgada a terceira quadrissemana de agosto do IPC da Fipe, que teve alta de 0,11%, com aumento de 1,56% do grupo alimentação.

A grande preocupação dos analistas, porém, é a possibilidade de que os preços já reflitam alguma pressão de demanda, especialmente nos segmentos de bens duráveis e os serviços (como consertos, aluguel, cabeleireiro, mensalidades escolares). Aidar chama a atenção para a alta das cotações do refrigerador, que subiram 1,27% em agosto, de acordo com números do IPCA-15. O item conserto de automóveis, que havia subido 0,3% em julho, aumentou 1,31% em agosto. "Nos últimos anos, era difícil para os empresários repassarem aumentos de custos. Com a demanda mais forte, isso parece estar começando a ocorrer", diz Aidar, que revisou sua projeção para o IPCA em 2007 de 3,6% para 3,9%, ainda abaixo do centro da meta deste ano, de 4,5%.

Os analistas do Bradesco elevaram a estimativa de 3,6% para 3,92%, também influenciados pela expectativa de que, com um cenário externo mais instável, o dólar deve fechar o ano em R$ 1,90, e não mais em R$ 1,80. O câmbio um pouco mais desvalorizado não deve trazer pressões relevantes, mas pode empurrar a inflação ligeiramente para cima - ou ajudará menos no controle dos preços.

O economista Francisco Pessoa Faria, da LCA Consultores, é mais otimista do que a média do mercado. Ele diz que a alta dos alimentos no IPCA-15 de agosto foi de fato surpreendente, mas considera precipitado dizer que o comportamento dos preços de serviços configure um processo de inflação de demanda mais preocupante. "Essa avaliação é prematura. As importações crescem com força, complementando a oferta doméstica, e os investimentos estão maturando", avalia ele, que vê espaço para três cortes de 0,25 ponto percentual da taxa Selic ainda neste ano, o que a levaria para 10,75% em dezembro.

Muitos economistas, porém, acreditam que o Banco Central (BC) fará menos cortes, principalmente para não colocar em risco o cumprimento da meta de 2008, também de 4,5%. Aidar acredita em apenas mais dois cortes de 0,25 ponto. A MCM Consultores Associados é ainda mais cautelosa, apostando que, depois de um corte em setembro, o BC interromperá já em outubro a trajetória de queda da Selic.