Título: Brasil dá prazo de três meses para Doha destravar
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2007, Brasil, p. A3

Caso não ocorra, em três meses, uma definição sobre as negociações de liberalização comercial na Organização Mundial de Comércio (OMC), o governo brasileiro retomará, nesse período, as negociações comerciais suspensas devido às incertezas na discussão multilateral, disse o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. "Não vamos ficar parados: se, daqui a três meses não tiver andado nada, não deixaremos paradas as outras negociações", afirmou, ao sair de almoço com os parlamentares brasileiros do Parlamento do Mercosul.

Em seminário sobre política externa promovido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, apoiou a prioridade conferida pelo governo às negociações na OMC, a chamada Rodada Doha, mas advertiu para a necessidade de se impor um prazo para a retomada das negociações bilaterais. "Não se pode esperar indefinidamente", comentou Skaf, que defendeu, também, uma "flexibilização" no Mercosul, para que o Brasil possa assinar sozinho acordos comerciais, caso haja resistência por parte dos parceiros.

"É uma flexibilização, não o estouro da boiada", ressalvou, ao lhe perguntarem se estaria defendendo a implosão do Mercosul - já que a assinatura de acordos de comércio firmados isoladamente por membros do bloco inviabilizaria a tarifa externa comum, que caracteriza o Mercosul como uma união aduaneira. Para o chefe do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, Evandro Didonet, o Mercosul já "flexibiliza" negociações, como foi o caso do acordo de livre comércio com os países andinos, criticado pela indústria por ter prazos diferentes de liberalização, conforme os países envolvidos.

No caso do acordo de livre comércio com os europeus, Didonet garante que o Itamaraty está decidido a sentar-se à mesa de negociações "no dia seguinte" à definição de rumos na OMC. "O que os europeus esperam (para negociar um acordo bilateral com o Mercosul) não é o fracasso ou sucesso de Doha, mas uma definição dos rumos da negociação", comentou. Sem uma definição sobre as negociações de Doha, é difícil para o Brasil avaliar as ofertas de abertura de comércio, argumenta Amorim.

"Não saberemos o verdadeiro valor de soluções discutidas com a União Européia antes de terminar a negociação na OMC, porque podemos estar pagando para receber algo que se obteria de qualquer maneira pela negociação multilateral", exemplifica Amorim. "Ou pagando duas vezes pela mesma concessão", complementou.

"Estamos num momento de grande expectativa ainda, de conclusão (das definições sobre abertura comercial e fim de subsídios comerciais) da rodada em outubro", ressalvou Amorim. Em outubro, começa a fase decisiva da campanha presidencial americana, o que tornará mais difícil obter apoio do Congresso dos EUA a concessões comerciais. "Se, por hipótese, o Congresso americano não der o Trade Promotion Authority (TPA, a autorização ao Executivo para firmar acordos sem risco de emendas parlamentares), não vamos ficar parados", afirmou o ministro, que ressalva, porém, estar muito otimista em relação à possibilidade de um acordo.

Amorim argumenta que as propostas hoje na mesa são muito melhores que as perspectivas existentes em momentos anteriores na negociação e comemora o papel de protagonista do Brasil. Ele chegou a elogiar o esboço de acordo apresentado pelo coordenador das discussões agrícolas, Crawford Falconer, que seriam, porém, menos precisas e menos ambiciosas que as propostas de liberalização em produtos industriais.

Evandro Didonet informou que estão avançadas as negociações para um acordo de livre comércio com Israel (apenas barra o acordo a discussão sobre maiores concessões de abertura agrícola a Uruguai e Paraguai) e com os países árabes do Conselho de Cooperação do Golfo, hoje o segundo maior importador de alimentos do mundo.