Título: Mercado interno precisa do câmbio, diz Delfim
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2007, Brasil, p. A4

A continuidade do crescimento econômico brasileiro passa pela existência de um mercado interno robusto. A "supervalorização" do câmbio, no entanto, pode abortar o desenvolvimento desta demanda, uma vez que ela não será forte se estiver apoiada apenas na mineração e na agricultura. É fundamental dar condições para a indústria se desenvolver, mas com o real apreciado o governo caminha em sentido oposto a tal necessidade. A avaliação é do ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto.

Para o economista, que também é ex-deputado federal, hoje a moeda brasileira está cerca de 10% a 15% mais valorizada em relação ao dólar do que seria um patamar considerado razoável. Uma maneira de reconduzir o câmbio a níveis menos elevados seria através da continuidade da redução dos juros básicos. "Não acho que o juro real deveria ser muito maior do que 3% ou 4% ao ano", disse Delfim, em sabatina realizada ontem pela "Folha de S. Paulo". Atualmente, o juro real está na casa de 8%. "Quando o governo começa a falar muito de câmbio, pode crer que é porque há problemas", afirmou.

Delfim aponta ainda um outro entrave ao crescimento sustentado: os gastos fiscais. Para ele, enquanto o país gastar o que gasta com o custeio da máquina e tiver uma carga tributária de 37% do Produto Interno Bruto (PIB), será muito difícil vislumbrar expansão econômica no futuro. Há cerca de 15 anos, segundo Delfim, o governo investia o equivalente a 4% do PIB e a carga tributária estava em 24% do PIB. "Agora temos uma carga de impostos de 37% do PIB e se investe 2% dele." Para Delfim, este processo foi consumindo a infra-estrutura brasileira e sem ela, o Brasil não crescerá de maneira sustentada.

Nesse ritmo de gastos com custeio, diz Delfim, o PIB vai murchar, "porque estaremos transferindo dinheiro do setor mais eficiente (o privado, por meio da alta carga tributária) para o menos eficiente."

Faltou fazer a tão falada lição de casa na área fiscal. Por que o país conseguiu, mesmo que de forma tímida, crescer sem ela? Porque, segundo Delfim, "ganhamos de presente algo em torno de US$ 60 bilhões a US$ 70 bilhões decorrentes do aumento dos preços dos produtos exportados pelo país e também da expansão da quantidade exportada desses produtos", o que só foi possível graças ao forte crescimento da economia mundial, com destaque para a China.

Ao mesmo tempo, o ex-ministro se diz consciente de que não é possível mudar a estrutura de gastos do país da noite para o dia. A saída, então, é o governo fazer parcerias com o setor privado. "O governo não tem condição de fazer obras de infra-estrutura, tem outras obrigações constitucionais, por isso precisa chamar empresas privadas para atuarem junto a ele", argumenta.

Embora faça muitas críticas à política monetária e macroeconômica adotada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Delfim diz que a aprova. Questionado sobre os motivos, disse que é porque ainda tem esperança. E brincou que a esperança venceu o medo, em analogia à campanha presidencial de 2002.

Um dos pontos positivos apontados pelo economista é a acumulação de reservas internacionais, que já estão hoje próximas dos US$ 160 bilhões. Para ele, as reservas ajudam a economia brasileira a enfrentar crises como a que está sendo vista no mercado financeiro global. "Temos massa para impedir um overshooting (desvalorização excessiva) do câmbio", avalia.

O problema enfrentado hoje pelas bolsas de valores de todo o mundo, e de forma mais intensa pelos Estados Unidos, não deverá atingir a economia real. "A menos que muitos bancos estejam envolvidos com essas maracutaias", disse, em referência aos empréstimos "subprime". Para Delfim, não há como corrigir o déficit em conta corrente dos EUA - hoje em 7% do PIB - apenas pelo câmbio. "Isso não é empiricamente praticável", diz. A ajuda principal para reverter este déficit virá no nível de atividade. Ou seja, o Estados Unidos precisam crescer menos para também exportar menos. Delfim espera que o EUA passem a crescer cerca de 1,5% ao ano até que o ajuste seja feito, um movimento moderado de desaceleração.