Título: Nova Constituição dá poderes demais a Chávez
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Fonte: Valor Econômico, 21/08/2007, Opinião, p. A10

A reforma constitucional proposta pelo presidente venezuelano Hugo Chávez pode ser resumida a uma frase já antiga: "O Estado sou eu". As novas leis, que devem ser aprovadas em referendo até o fim do ano ou início de 2008, tornam o país uma extensão da vontade pessoal de Chávez. São poderes absolutamente exorbitantes, mesmo para o padrão usual de ditaduras latino-americanas.

O principal objetivo de Hugo Chávez é garantir a reeleição perpétua e tudo indica que ele conseguirá isso, até com exagero. A proposta oficial estende o mandato de seis anos para sete anos, o que é absolutamente desnecessário. Chávez parece querer acertar conta com o futuro desde agora e se cerca de poderes que até certo ponto já possui - pode legislar por decreto, sem aprovação de qualquer outra instância da República, até junho de 2008. Pelo visto, é muito pouco.

O presidente quer uma "nova geometria de poder", ponto que, segundo ele, é a mudança de "maior peso estratégico e profundidade estrutural" das reformas. Com uma simples penada do presidente, os Estados poderão ter modificadas suas fronteiras e seus mandatários perderem a jurisdição política sem que seja necessário cassá-los ou persegui-los. Se aprovada a nova Constituição, Chávez poderá criar territórios especiais dentro do país e nomear irrestritamente seus mandatários. Já indicou que pretende criar um Distrito Federal em Caracas, onde se concentra a maior parte da oposição a seu governo. Há um toque claro de paranóia no gesto - o presidente tem aliados que já comandam 23 dos 25 Estados venezuelanos.

A economia sofrerá transformações profundas, embora se imagine que sejam graduais, acompanhando a concentração de poderes. O conceito de propriedade será transformado em uma barafunda, onde a propriedade privada, que Chávez promete que continuará existindo, terá que coexistir com a "social", a "pública", a "coletiva" e a "mista". Como o presidente não é uma pessoa que costuma se perder em abstrações, há um item do anteprojeto que diz claramente suas intenções: o governo poderá assumir o controle de empresas antes mesmo que sua expropriação seja determinada em última instância por decisão judicial.

Não há exemplo mais claro, e mais absurdo, dos poderes extraordinários que Chávez pretende abarcar do que a proposta do Executivo de dar ao presidente da República a competência para administrar as reservas internacionais do país. Caberá a Chávez determinar o nível de reservas adequado para a economia e o "excedente" que subsidiará "projetos produtivos". Não chega a ser uma inovação porque a prática é comum nas ditaduras africanas, com os maus resultados conhecidos. Sem qualquer critério objetivo, o manejo das reservas nas mãos de um político que não parece determinado a respeitar limites pode não apenas causar transtornos econômicos, mas também servir como uma formidável arma de corrupção política e enriquecimento pessoal. Não há distinção neste ponto entre as ditaduras socialistas e as demais. Já há indícios de que a corrupção tem crescido no país, ao lado da violência. E, para não deixar dúvidas de que não admite qualquer desacordo sobre quem manda em tudo, o novo projeto elimina, com ênfase na primeira palavra, "todo tipo de autonomia" do Banco Central.

Seria previsível que a transição para o "socialismo do século XXI" se apoiasse nas organizações sindicais, mas esta nunca foi a índole de Chávez, cujo autoritarismo afastou de si até mesmo os stalinistas do Partido Comunista Venezuelano. Como todo demagogo autoritário, ele prefere "organizações comunais" informes, que abrigariam os favorecidos pelo regime, seriam manipuláveis pelo poder central e cuja única função real, se vale a experiência do passado, será descobrir onde se alojam opositores presentes ou futuros. Para selar de vez a intenção de agradar ao povo, a Constituição instituirá jornada de seis horas (hoje é de 8).

Da forma como está, e provavelmente continuará - o Legislativo é quase todo chavista - , a nova Constituição da Venezuela eliminará os mecanismos democráticos que ainda existem. Amparado em um mar de petrodólares, Chávez reinará absoluto até quando o destino assim o decidir.