Título: As vantagens de uma empresa público-privada
Autor: . Travassos, Fernando C
Fonte: Valor Econômico, 21/08/2007, Opinião, p. A10

Trata-se de uma empresa pública ou de economia mista, na qual o poder público reduz sua participação, abrindo mão de seu controle em favor de outros acionistas, formando-se uma empresa de comando compartilhado. Com a dispersão adequada e monitorada do capital votante, o poder público ainda será um acionista poderoso, com o poder de influir nos objetivos e linhas de ação da empresa. Por outro lado, a empresa estará protegida de interesses político-partidários e de favorecimentos contrários aos seus interesses, devido à ausência do poder absoluto governamental sobre as suas decisões.

Ainda hoje se noticia a Oferta Primária de Ações de empresas que continuarão tendo controle absoluto por parte do poder público, seja ele, federal, estadual ou municipal. Felizmente, o mercado tem boa memória e não acredita mais que se possa blindar uma empresa em que o poder público, como acionista controlador, tenha o poder de nomear seus administradores discricionariamente, ou de não repassar custos para evitar desgaste político de aumento de preços, em detrimento da empresa. No atual momento político, com eleições a cada dois anos, tais administradores poderão ser até demitidos caso insistam em não atuar politicamente e, alternativamente, busquem a melhor opção econômica em suas decisões.

Um governo sério, em qualquer esfera, deveria ser grato por poder argumentar que "não pode atender a determinada pressão por cargos" ou de "ser impossível sangrar uma empresa em prol de um dividendo político", devido a ser minoritário e de não ter mais "a faca e o queijo na mão". A solução encontra-se na coragem do setor público abrir mão do poder absoluto de mando na empresa e permanecer como o acionista mais poderoso com, digamos, 30% do capital votante, com a dispersão adequada e monitorada do restante do capital. Qualquer absurdo administrativo seria inviável com a reunião dos votos contrários. Por outro lado, o poder público poderia ainda defender diretrizes de ação, ditadas até por prioridades políticas, por promessas de campanha, mas, agora, sem depauperar a empresa, prejudicando em suma toda a economia do país. Os dispositivos jurídicos para estruturar essa EPP encontram-se na lei das Sociedades Anônimas, bem como no conjunto de regulamentações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Um estatuto claro e definido quanto aos poderes dos acionistas nesse controle compartilhado será decisivo para a atratividade de novos investidores.

A EPP seria a alforria para a empresa pública, salvando-a de seu loteamento ao sabor de interesses político-partidários, o que tem sido fonte de vários constrangimentos e desgaste político para o próprio loteador. Além disso, é necessário um choque de gestão nessas empresas, com dirigentes profissionais, bem pagos, de forma a aumentar-se a produtividade de cada real investido. Nesse sentido, a EPP, agora não estatal, estaria livre para atuar sem os controles governamentais, como os Tribunais de Contas e a obrigatoriedade de licitações públicas, por exemplo, inerentes às atividades essencialmente públicas. Tais controles e procedimentos são incompatíveis com um ambiente empresarial competitivo.

-------------------------------------------------------------------------------- A EPP seria a alforria para a empresa pública, salvando-a de seu loteamento ao sabor de interesses políticos --------------------------------------------------------------------------------

Não há o que temer em se perder o controle absoluto sobre a empresa, pois o setor público tem poder intrínseco, basta apenas exercê-lo com eficiência, contribuindo para reduzir o "custo Brasil", este sim o fator crucial que prejudica a competitividade de nossos produtos no ambiente internacional. Prova disto são as inúmeras participações acionárias que a BNDESPAR teve no passado, sem poder absoluto, profissionalizando empresas familiares, sem burocracia, e retirando-se via mercado, paulatinamente, quando não mais necessária tal participação.

A EPP seria a solução de aporte de recursos para investimento, através do concurso de outros acionistas tais como seus empregados e respectivos fundos de aposentadoria complementar, de seus fornecedores, de seus clientes, além de grupos financeiros, atualmente ávidos para investir em infra-estrutura, porém sem o risco de ações do império - bastam aqueles inerentes ao próprio negócio. O lucro das operações reverteria para o setor público através de dividendos. Aumentar-se-ia, também, a capacidade de endividamento frente aos financiadores de longo prazo, sem comprometer a Lei de Responsabilidade Fiscal. Seria um exemplo de PPP, parceria público privada, no sentido amplo, sem burocracia, em prol do investimento e do aumento de produtividade da economia.

Dificuldades em aprovar uma decisão dessas existem, devido às pressões políticas por cargos que serão inevitavelmente extintos. Temores quanto à manutenção da qualidade de acionista poderoso frente a possíveis conluios entre os demais acionistas não procedem, pois o poder público tem condição de acompanhar a evolução da estrutura acionária da EPP em tempo real. Basta que todas as transações sejam efetuadas, obrigatoriamente, via Bolsa de Valores. Os argumentos menos explícitos seriam baseados no fato de que o investidor de grande porte busca o controle do comando da empresa e que o preço de subscrição das ações oferecidas ao mercado diluiria o patrimônio público etc. Enganam-se os que assim pensam, pois fundos de aposentadoria, seguradoras e grandes fundos de investimento buscam retornos no longo prazo, com baixo risco, compatíveis com o perfil de seus passivos, exigindo no máximo um assento no Conselho de Administração da empresa para garantir sua gestão profissional. Necessitam, por outro lado, aplicar volumes expressivos de recursos, o que é compatível com os investimentos necessários para viabilizar o PAC, por exemplo.

De qualquer forma, ir ao mercado, até mesmo ao Novo Mercado, pedir recursos e manter o poder absoluto de mando na empresa é, no mínimo, algo estranho, iludindo o acionista nascente, inexperiente, o que muito irá prejudicar o desenvolvimento de nosso mercado de capitais no longo prazo.

Fernando Cariola Travassos é engenheiro pela PUC-RJ e doutor em Economia pela USP. fercar@uninet.com.br