Título: Supremo acolhe 40 réus do mensalão
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2007, Política, p. A8

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ontem, que irá investigar o mensalão como uma quadrilha organizada para negociar apoio político, custear gastos de campanha e pagar dívidas partidárias. No último dia do julgamento, o tribunal transformou José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Silvio Pereira - os principais dirigentes petistas do primeiro mandato do presidente Lula - em réus por formação de quadrilha. Os três primeiros já eram réus por corrupção ativa. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes também se tornaram réus por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. No saldo final do julgamento, o STF transformou todos os 40 indiciados em réus, acolhendo a denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza.

Essa decisão terá implicações políticas fortes, pois confirma a existência de provas "robustas" de que houve mensalão. Com isso, enfraquece os planos de Dirceu de retomar os seus direitos políticos na Câmara dos Deputados e mantém a pecha de que houve corrupção desenfreada durante o primeiro mandato de Lula, apesar de nenhum ministro citar o nome do presidente durante os cinco dias do julgamento.

Encerrada essa primeira fase do julgamento, o mensalão estará em evidência numa segunda etapa quando o STF julgar a ação penal. O julgamento poderá ocorrer dentro de dois ou três anos, pois o STF quer agilizá-lo ao máximo. Ontem mesmo o tribunal determinou a citação imediata dos 40 réus, tão logo a decisão seja publicada no "Diário da Justiça". "Ainda temos muito trabalho pela frente", disse, ao final do julgamento, o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa. Agora, todos os 40 réus serão ouvidos novamente e poderão indicar testemunhas. O Ministério Público poderá produzir novas provas. Os atuais 51 volumes do processo deverão se multiplicar por duas, três ou quatro vezes. Desafiado por um processo extenso, envolvendo políticos e autoridades do primeiro escalão do primeiro mandato do presidente Lula, o STF quer mostrar que está apto a dar respostas à sociedade.

"Num momento em que encerramos um julgamento que muitos consideram histórico, tenho dificuldades para acreditar que alguma Corte Suprema no mundo se reúna para decidir um caso com essas minúcias", afirmou a presidente do STF, ministra Ellen Gracie. Ela lembrou que os autos foram inteiramente digitalizados: "Não fosse por isso, somente a vista sucessiva dos autos teria consumido 20 meses", disse Ellen. "Este mesmo ganho de tempo será reproduzido na fase instrutória (a próxima etapa)".

Antonio Fernando avaliou que os ministros querem acelerar o julgamento: "Percebe-se pela decisão final que todo o tribunal está preocupado em agilizar, dentro dos limites legais, o julgamento deste processo".

No plano penal, o Supremo não foi excessivamente formalista ao acolher quase a totalidade da denúncia do procurador-geral. Advogados dos mensaleiros acreditavam que os ministros não aceitariam vários pontos da denúncia pelo fato de a acusação se referir a um esquema generalizado de corrupção, onde a participação de cada um nem sempre foi devidamente demonstrada. De fato, algumas das acusações aos principais expoentes do esquema não foram aceitas pelos ministros, como a acusação de peculato ao núcleo central do esquema, composto por Dirceu, Genoino, Delúbio e Sílvio Pereira, a acusação de corrupção ativa a Sílvio e de falsidade ideológica ao publicitário Marcos Valério.

Mas, no fim, os ministros concluíram que cada um dos envolvidos contribuiu de seu modo individual para a realização de um esquema geral de corrupção e daí a transformação de todos os 40 indiciados em réus. Todos os integrantes dos núcleos central (encabeçado por Dirceu), publicitário (liderado por Marcos Valério) e financeiro (da ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabelo) terão de responder ao crime de formação de quadrilha. "O que está claro em termos de indícios é que havia um acordo de vontades que criou uma entidade supra-individual predisposta ao cometimento de delitos de certas classes vinculados à realização de um projeto político", definiu o ministro Cezar Peluso, quando o STF discutia se Dirceu deveria responder por formação de quadrilha.

O ministro Ricardo Lewandowski manifestou dúvida quanto à inclusão de Dirceu no crime de quadrilha. "Verifico que, em muitos aspectos, está se potencializando o cargo ocupado pelos denunciados para se imputar a eles o crime formação quadrilha."

Mas, os outros ministros decidiram incluir primeiro Dirceu e, na seqüência, os outros ex-dirigentes petistas. "Tomei muita cautela, mas verifico que há indícios sim que justificam o recebimento da denúncia", disse Eros Grau. "Vão do ministro ao subalterno, sem nenhuma distinção", completou ele. "A denúncia desce ao nível das particularidades, das peculiaridades, do detalhamento e individualiza as condutas", ressaltou Carlos Ayres Britto.

"Não me impressiono com descrições de determinadas atividades típicas das funções que ocupava o importante cargo de chefe da Casa Civil, nem mesmo eventuais imputações deste episódio envolvendo a ex-mulher do denunciado, mas há todo um forte contexto de elementos que se entrelaçam, da existência de uma organicidade para a prática destes ilícitos", ressaltou Gilmar Mendes.

O ministro Marco Aurélio Mello disse que o esquema continuaria a operar "se não fosse escancarado" e que Dirceu "seria o grande piloto do esquema". Celso de Mello lembrou que Dirceu foi apontado pelo procurador-geral "como o principal articulador, possuindo a posição de chefia incontestável no plano da organização criminosa". Dirceu foi incluído como réu quanto ao crime de quadrilha por nove votos a um, dado por Lewandowski.

No fim, Joaquim Barbosa teve todos os seus votos acolhidos, a maioria por unanimidade. O placar mais apertado foi de 6 votos a 4 na votação em que se decidiu incluir Luiz Gushiken como réu por peculato.

Alegando dores nas costas, Joaquim leu o seu voto de pé, em posição semelhante a promotores que defendem causas junto a tribunais. Vindo do Ministério Público, onde era procurador, deu os votos mais importantes da história da instituição ao aceitar praticamente toda a denúncia do procurador-geral.

Para os ministros, o julgamento do mensalão foi um processo extremamente desgastante: durou mais de 36 horas e elucidou os bastidores políticos envolvendo a mais alta Corte do país. Os interesses dos próprios ministros na nomeação do substituto de Sepúlveda Pertence, que se aposentou às vésperas do julgamento, foram devassados na troca de e-mails entre os ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Nos e-mails, eles comentavam que suas opiniões sobre o novo ministro não estavam sendo levadas em consideração pelo governo e deixaram em aberto uma possível divisão de grupos dentro do tribunal. O episódio constrangeu Cármen e Lewandowski e irritou Eros Grau, a quem se atribuiu que votaria contra o recebimento da denúncia.